Tema 189 - ANGÚSTIA
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A COR DO AMOR
Luís Valise

As horas passavam com a lentidão de um camelo sumindo na linha do horizonte. Estavam no fim do verão, e o aparelho de ar-condicionado fazia um zumbido agônico. Oliveira afrouxou o nó da gravata, e abriu o colarinho. Pegou o jornal, separou a página de esportes e foi para o banheiro. No caminho passou pela mesa da Marisa, de mini-saia e grandes coxas. Sentou-se na privada e abriu o jornal. As notícias resvalavam em seus olhos blindados, culpa das coxas alvorescentes. Marisa... Marisa... Oliveira alisou uma punheta. Mariiisa, crème de la crème.

(Horas antes, na volta do almoço, Marisa segurou-o pelo braço, espantada:

- Oliveira, você tem olhos verdes?

- Só agora você reparou?

- Nunca tinha te visto sem óculos!

- Gostou?
- Amei! Eu amo olhos verdes.

Se fosse outro não deixava a peteca cair, e convidava Marisa prum chope na saída do trabalho. Mas o Oliveira, não. Bem que ele teve essa idéia, mas cadê coragem? Um ano de paixão escondida atrás do olhar vira-lata, deixara passar uma grande chance. Pisava em sua sombra cabisbaixa, quando Marisa de novo segurou-o pelo braço:

- O que você vai fazer hoje?

- Eu tenho que consolidar alguns relatórios de produção, depois...

- À noite, Oliveira!

- ...

- Vamos tomar um chope?

- ...

- Quando você resolver, me avise. Marisa apressou o passo, deixando-o para trás.)

Ao sair do banheiro passou pelas coxas, digo, pela mesa da Marisa:

- Marisa, que tal passarmos o sábado na praia? A moça balançou:

- Só nós dois? - E o sol.

- Não sei...

- Quando você resolver, me avise. E seguiu para sua mesa. Logo o telefone tocou, era Marisa:

- Combinado! Saímos cedo, voltamos à noitinha!

- Depois você me passa teu endereço, pra eu te pegar.

- Tá legal. Oliveira, como é teu primeiro nome?

- Marvel. Meu pai era louco por gibis.

O resto da semana se arrastou como um camelo moribundo. Oliveira ia se preparando: protetor solar, sunga nova, sandálias. Entrou num regime brabo, e a barriga diminuiu um pouco. De sexta para sábado mal dormiu; pela manhã fez a barba, e desconstruiu o cabelo com gel. Vestiu a sunga nova, por cima um bermudão, camiseta, e sandálias. Olhou-se no espelho, sorriu para os olhos verdes, pegou os óculos escuros e saiu.

Defronte ao prédio onde morava Marisa sentiu o coração descompassado. A porta se abriu e ela saiu, com os cabelos úmidos, mini-blusa deixando a barriga de fora, shorts curtinhos, tamanco, bolsa grande de palha. Entrou no carro, deu um sorriso lindo e dois beijinhos no rosto dele. Oliveira caiu de quatro. Conversaram animados durante a viagem, e do alto da serra avistaram o mar. O céu estava límpido, e o calor ia aumentando à medida em que se aproximavam da praia. Oliveira parou o carro na sombra de uma árvore.

Alugaram guarda-sol, e cadeiras. Oliveira estava sentado, passando protetor solar no ombro, quando Marisa tirou a roupa, exibindo um biquíni azul-marinho com filete amarelo nas bordas. As coxas eram mesmo tudo aquilo e mais um pouco, e juntavam-se roliças no pequeno triangulo de pano estofadinho. Ela deitou-se na toalha, pediu pra ele passar loção em suas costas. Depois pediram batidas, coco pra ela e maracujá pra ele. O calor foi aumentando, resolveram entrar no mar. Foram de mãos dadas. A água estava fria, os bicos dos peitos cresceram dentro do tecido. Oliveira levou-a mais para o fundo.

- Marvel, eu não nado bem. Eu não nado nada. Ele passou o braço em sua cintura:

- Segure-se em mim.

Quando a água estava acima da cintura, Marisa ficou de frente e passou os braços em volta do pescoço do rapaz. As coxas se tocaram. Oliveira levou uma espécie de choque, sentiu um tremor. Marisa segurou a cabeça do Oliveira com as duas mãos, e suas bocas foram se aproximando. Antes do beijo, fez um pedido:

- Não feche os olhos, Marvel.

Enquanto Oliveira devorava a boca da Marisa, ela devorava seus olhos verdes. Ficaram se beijando, se abraçando, sem se importar com os olhares de reprovação ou inveja, e mais se beijariam, não fosse a grande onda que surgiu de repente e pegou-os de surpresa, levando-os para o fundo. Marisa começou a se debater em desespero. A sunga do Oliveira foi parar nos tornozelos, e ele pensou que fosse morrer de pau duro. Quando conseguiu tirar a cabeça da água puxou Marisa pelos braços, e ela se agarrou nele, tossindo e chorando. Oliveira abraçou-a, e com o tempo ela se acalmou. Voltaram para a areia. Oliveira pediu outra rodada de batidas. Quando as bebidas chegaram, eles já estavam rindo da situação. A bebida soltou a língua dele, que contou do seu medo de morrer naquele estado. Ela ficou séria de repente. Olhou do jeito que as mulheres olham quando querem:

- Marvel, vamos prum motel.

Ela estava no chuveiro, ele deitado na cama, na penumbra. Saiu enrolada na toalha, sentou-se na beirada da cama. Percebeu que o rapaz estava tenso:

- O que foi, Marvel?

- Preciso te falar uma coisa...

- Então fala logo.

- Você não vai gostar...

- Não vá me dizer que você é casado...

- Não, sou solteiro...

- O que é, então?

- Meus olhos... são castanhos! Eu uso lentes de contato!

Marisa encarou-o por instantes, surpresa com a revelação:

- Só isso, Marvel?

- Só.

A garota soltou a toalha, fechou os olhos, e partiu pra cima do seu super-herói.

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