Tema 190 - O LADO BOM...
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OS OLHOS COLORIDOS DE CLARA
Andréa Sargentelli

A moça ainda andava sem rumo e tonta pela rua, acho que era de alegria, ou será que era de medo? Mas se fosse medo, seria medo do quê? Ou de quem? O ser humano é assim mesmo, ora chora de medo, outra vez de tristeza e outras de felicidade e outras... Porque é bobo mesmo, pensava Clara sorrindo.

Em sua casa vistosa, Clara se destacava, compondo a paisagem com sua pele alva e seus cabelos amarelos, dentre as cores vibrantes das perfumadas flores que lotavam a jardineira do parapeito de sua janela.

- Hum, aspirou ela profundamente. Que cheiro maravilhoso vocês estão me oferecendo hoje meninas! Exclamou a moça em conversa íntima e prazerosa com suas flores.

Feliz era ela, que podia e por isso tirava de seu dia, algumas horinhas especiais da sua agenda lotada, para espiar a alma humana. E divertia-se muito com isso! Este trabalhinho extra e prazeroso, às vezes confundido com o popular "Candinha" ou "fofoqueira" de plantão, a ajudava e muito quando ia pintar seus quadros, que tinham expressões muitíssimo realistas das situações da vida, das pessoas, dos objetos, das paisagens... Todos ficavam admirados em ver que artista plástica maravilhosa Clara tinha se tornado. Que sensibilidade era aquela?

Aprendeu, por exemplo, que depois da chuva as pessoas ficam mais felizes. No mínimo porque a maioria delas, desprevenidas e sem guarda-chuvas, vêem-se obrigadas a estacionar em algum local indesejado até que a água pare de descer. E então, quando a tempestade finalmente pára, elas saem todas sorridentes e saltitantes de seus lugares, como formiguinhas alvoroçadas, recebendo de volta a tal liberdade de ir e vir, mas que na verdade, nunca haviam perdido, afinal de contas, bastava quererem tomar chuva e estaria tudo certo! E o perfume maravilhoso de "banho tomado" que a terra exalava após um temporal? Era indescritível... As flores cantavam, e o universo? Abria-se, todo escancarado, para poder respirar melhor!

E assim, Clara aperfeiçoava seus conhecimentos. Aquele dia, ela podia sentir o calor abafado que vinha da rua. Provavelmente teríamos chuva mais a noitinha, previa ela em pensamento, quando foi interrompida:

- Bom dia Clara!

- Bom dia Dona Arminda! Tudo bem com a senhora? Responde Clara da Janela.

- Tudo indo Graças a Deus, diz D. Arminda encantada com a simpatia de Clara. Que menina otimista! Não tinha como não contagiar-ser por aquela criatura linda.

- Ah que bom D. Arminda. Por sua vozinha empolgada vejo que Frederico está bem melhor não é mesmo? Pergunta em tom afirmativo Clara, pois o neto de D. Arminda havia contraído uma virose e teve até que ficar internado, coitadinho!

- Adivinhou minha filha. Adivinhou! Meu pequenino já está em casa e por isso estou indo até a padaria comprar uns quitutinhos para agradá-lo um pouco. Respondeu toda feliz D. Arminda.

Na volta, D. Arminda passou pela janela de Clara e lhe deu um delicioso "sonho" dizendo:

- Trouxe-lhe um delicioso sonho já que você é um sonho de menina! Proclamou cheia de honrarias D. Arminda à Clara.

- Imagine D. Arminda. São seus olhos, reponde a moça simpática, agradecendo o "mimo".

Lambuzada até o nariz, Clara se deliciava com seu sonho quando escutou passos lentos e pesados se aproximando ...

- Hei, hei, hei D. Ritinha. Que desânimo é este mulher?

Impressionada com a astúcia de Clara, D. Ritinha responde:

- Ai menina Clara. Estou doente dos nervos. Sabia que Francisquinho está desempregado? Esta coisa de corte, crise, sei lá eu...Balbucia a velha senhora.

- Não fique assim não minha linda. Sabe que o que às vezes parece a pior coisa do mundo, acaba se tornando a melhor? Aguarde e verá! Coisas muito boas ainda vão aparecer no caminho de seu filho, profetizou Clara sorrindo para D. Ritinha.

- Ah, obrigada Clara. Você sempre tem uma palavrinha boa para nos oferecer não é mesmo? Sorri de volta D. Ritinha e continua: - Nossa! Sua boca está cheia de creme!

- Ah, é verdade, sorri Clara. Ganhei um sonho de D. Arminda e fiquei aqui, me deliciando feito criança, diz Clara soltando uma gostosa gargalhada.

D. Ritinha foi embora então pensativa e um pouco mais animada com as palavras da moça. Uma semana depois, foi correndo contar para Clara que seu filho havia conseguido um emprego dos sonhos e esta então, com a mesma carinha angelical de sempre respondeu:

- Não lhe disse D. Ritinha? Não lhe disse. Veja o quadro que pintei para senhora.

Clara então, virando-se com cuidado, agarrou-se à coleira de Íris, sua cão-guia e foi depressa até seu ateliê, de onde voltou trazendo uma linda tela para D. Ritinha dizendo:

- Veja que linda paisagem D. Rita. Viu que colorida? É assim que temos que enxergar a vida e o mundo. Por isso eu a fiz e agora lhe dou de presente. É para que a senhora se inspire nela e veja que por pior que uma situação pareça ser, ela tem um lado bom. Afinal de contas, o que seria da luz, se não existisse a escuridão?

Dona Ritinha, depois de agradecer muito a menina Clara, foi embora consternada e lágrimas escorriam de seus olhos, emocionada que estava com as palavras daquela menina, que privada de sua visão desde seu nascimento, descobriu uma maneira alegre e colorida de enxergar o mundo e as pessoas imprimindo e exprimindo em suas pinturas e comportamento, toda a alegria que sentia de viver. Fim.

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