Tema 193 - O QUE FOI QUE EU FIZ?
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UM QUARTO CHAMADO SOLIDÃO
Osvaldo Luiz Pastorelli

"O que foi que eu fiz para que você me trate assim..."

Ouvia a voz rouca da cantora tentando imitar a Vanderlea. É, o que foi que eu fiz, perguntou olhando-se no espelho do banheiro da boate. Os nervos tremiam descontroladamente. Não queria olhar-se no espelho, no entanto sem se perceber seus olhos fixavam-se nele. Lavou o rosto seguidamente. Jogou água gelada umas quatro vezes nos olhos. Não resolveu, continuava com o cérebro embaralhado. O que foi que eu fui fazer? Perguntava sem obter resposta. Estava imprestável, percebia, mas precisava continuar, precisava voltar à mesa, precisava participar do jogo para não ser desmascarado.

Pondo firmeza nas pernas, sentindo os pés no chão sujo de copos e garrafas e papéis e camisinhas e outras porcarias, saiu do banheiro recebendo no rosto todo a balburdia do salão. Foi desconcertante sentir a luz que arrebentava em spots, foi ensurdecedor o som que lhe entrava ouvido a dentro descontrolando-o indeciso em que direção tomar. Esbarrando, tropeçando, trombando aqui e ali, conseguiu chegar até a mesa. Sentou sem olhar para ninguém. Reinava um silencio de vozes perturbadas por olhares que talvez, fixavam nele.
Talvez, esperavam que ele dissesse algo. Mas o que diria para aqueles cretinos, isto é, tinha que dizer alguma coisa? Achava que não. Nada fizera de errado.

- Então meus amigos, vamos ficar aqui ou não?

Perguntou esforçando a voz para que não percebessem o quanto estava embriagado. Merda, o que adianta sair para a balada e não se embebedar? Tinha que se divertir, não é mesmo? Sim preciso sim, me embriagar, e daí? Não fazia mal a ninguém, somente a ele. Ou será que esses merdas estão chateados comigo? Só porque me embriaguei? Antes me embriagar do que ficar com cara amarrada por qualquer coisa. Veja como estão com cara de bundas amassadas. Olhos baixos, com medo de olhar um para outro. Ele não tinha medo, olhava todos com audácia, mostrando não ter medo, com poses de dono da história, bebendo mais de quatro horas a mesma bebida, to é de saco cheio desse pessoal, vou puxar o carro.

- Depois dessa acalorada discussão que só eu ouvi, já que suas bocas permanecem fechadas, vou para o meu quarto solidão. Passem bem.

E dizendo isso, levantou-se de supetão, quase derrubou a cadeira, e se dirigiu para a saída. Eles que se danassem, não ficarei agüentando cara feia de ninguém. Recebeu no rosto o ar da madrugada deixando-o leve, mais sóbrio. Precisava tomar mais um trago, estava com a boca seca. Entrou no primeiro estabelecimento que viu aberto.

- Por favor, uma cerveja.

- Já estamos fechando, disse o garçom.

- Só uma não vou demorar.

- Está bem, só estou esperando aquele casal sair para fechar, portanto não enrola e beba logo, está bem?

- Obrigado.

É obrigado, mas deixe dizer uma coisa. Não volto mais para aquele lugar. Que lugar? Ora, para a balada aí do lado. Aquele pessoal pensa o que? São os bons é? Não são só porque você chega com todo o agrado, passa a mão de leve na bunda, acarinha os seios, dança colado, e já querem ser dona da gente, é? Não são fiquem sabendo. O pior é que todos eles ficam contra a gente. Que vão à puta que pariu, não quero saber mais deles, viu. Pode dizer isso, eu prometo não quero mais saber de nenhum deles.

- Está bem, amigo. Toma, coloquei sua cerveja neste copo descartável. Preciso fechar. Amanhã trabalho de novo.

E de leve foi levando ele para a porta.

Olhe eu também trabalho viu? Mas vou embora sim. Não quero mais saber de Estela nenhuma. Você conhece a Estela? Conhece? Ah! A minha Estela é bem melhor do que a Estela do filme pode crer.
Estela eu te amo.

Na calçada virou o resto da cerveja de um gole só jogando o copo vazio no meio fio. Estela sabe que você é mais bonita que a Estela do filme, viu, fique sabendo disso. E gritando o nome da amada, trôpego, ele se enfurnou na madrugada sendo engolido pela escuridão. Ouvia-se ao longe ainda o seu grito de amor pela Estela. Tempo depois, não se ouvia mais nada. De repente, em off soou uma voz:

- Corta!

Desligou a televisão. Por segundos, parado no meio da sala, em frente ao aparelho, deixou que a emoção dominasse-o totalmente. Bárbaro! Foi o que conseguiu dizer: Bárbaro! Muito bom. Será escolhido não tinha dúvida. O teste fora perfeito. Tão perfeito que ele próprio chegou a se emocionar. Putz! Sua capacidade interpretativa é imensa. Será que não escolheriam ele!? Claro que sim. Será escolhido, mesmo que para isso precisasse mexer os pauzinhos por baixo dos panos. Quem sabe até conceder certos favores.

Pensando assim, colocou no copo uma boa dose de uísque e entrou no banheiro para tomar um bom banho e depois cair na cama com a certeza de que será escolhido. Tinha que ser... não é?

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