Tema 195 - TRAPAÇA
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SE É VERDADE, ISSO EU NÃO SEI...
Capitu RJ

Diz-se de um policial militar corrupto (se é verdade, isso eu não sei) e que orientava o trânsito em uma movimentada rua do Rio de janeiro na década de 80.

O tal policial de quem se fala que é corrupto (se é verdade, isso eu não sei) deveria multar motoristas que trafegavam com o veículo em condições irregulares, ou que estivessem com sua própria documentação de motorista em situação irregular, ou ainda quem dirigia sem a documentação.Mas n ão era bem assim que as coisas aconteciam...Contam que ele sempre dava um jeitinho de levar alguma vantagem extra no exercício diário do ofício.Aceitava todo tipo de proprina para liberar os motoristas infratores, desde o famoso "cafezinho" até objetos pessoais, caso o motorista pego no flagrante estivesse desprevenido.Tudo era negocíavel!

Claro que para que o "rentável negócio" desse certo, ele precisava de mais gente ajudando no esquema, pois não tinha como deixar a via e era preciso guardar bem tudo o que conseguia arrecadar durante o dia.Para tanto contava com a colaboração do jornaleiro da esquina; um senhor muito sorridente, falador, conhecedor da vizinhança, simpático e igualmente ganancioso, que a custa de ganhar parte do lucro ilegal, topou guardar tudo o que o corrupto policial conseguia faturar durante o dia de trabalho em sua banca de jornal sem levantar nenhuma suspeita do fraudulento esquema.

E o plantão do tal policial na via era uma festa!Negociava-se de tudo!Logo a notícia se espalhou entre os motoristas em situação irregular:

- Tá com documentação irregular? Amigo, não precisa se preocupar!Corta caminho pela avenida tal, que lá tem um guarda tal, que é boa praça à beça!É só deixar um café que ele te libera!

Não tem nenhum pro café ai? Sem problemas! O que você tem pra negociar com ele? O cara topa qualquer parada! Deixa qualquer coisa!Com o sujeito não tem tempo ruim! O lance funciona assim: você negocia o que tu tem com ele, ele te libera e tu deixa lá com o jornaleiro da esquina.Tem erro não!

E assim, o tal policial chegava no quartel no fim do dia cheio de sacolas.

No começo disfarçava, dava um jeitinho de esconder o ganho dos outros companheiros, saía de mansinho para não despertar a atenção dos outros, mas com o tempo as sacolas aumentaram tanto de volume e quantidade que ele não tinha mais como esconder.Para não ser pego pelos seus superiores apelou para a política da divisão.Com uma boa oratória co nseguia convencer aos demais colegas de profissão que não tinha nada demais aceitar alguns "presentes" em troca de pequenos quebra-galhos para os motoristas, afinal, o salário que ganhavam era uma miséria!Que mal podia haver em levar alguma coisa de útil pra casa? E o custo da regularização de documentos, então?Um absurdo!O governo poderia facilitar a vida de quem com sacrifício conseguiu comprar o seu veículo, mas não o fazia.O que custava dar uma forcinha? Uma mão lava a outra!Todo mundo sai ganhando!

Com esse discurso conseguia aliados para sua corrupção.É bem verdade que o silêncio dos colegas lhe custava parte do ganho, mas a fartura do negócio era tanta que nem fazia falta.Um levava o relógio que precisava para presentear um amigo, outro bombons pra namorada, outro um brinquedo para o filho, outro aceitava levar aquela maquiagem pra agradar a patroa, tinha vezes que até até frango assado pro jantar aparecia no negócio!

Mas há quem diga que todo espertalhão um dia cruza com alguém mais esperto no caminho!

Diz-se que essa história chegou até os ouvidos de um outro policial militar, lotado em outro batalhão muito distante daquele.As más línguas afirmam que esse outro policial era tão malandro, mas tão malandro, que sua malandragem consistia exatamente em não ter trabalho nenhum para faturar o seu ganho extra. Sua estratégia era espiar como os colegas faziam para tirar proveito dos outros e tomar o lucro deles na trapaça mesmo!

O cara se informava direitinho de cada passo do negócio.Depois ia conferir de perto se funcionava mesmo mas tomando cuidado para não ser notado.Observava, observava, observava e depois de muito certo que poderia tomar na malandragem o ganho pra si, arquiteva um plano e colocava em ação.Com o nosso amigo corrupto não foi diferente.O trapaceiro colega de profissão o observou em ação durante alguns dias sem ser notado.Obeservou também o esquema com o sorridente jornaleiro e tão logo pôde, entrou em ação!Se certificou que era o plantão do corrupto e passou com o seu carro em péssimas condições de uso, dirá de documentão!Claro, foi parado e apresentando identidade civil, se fez de coitado.

- Pôxa, amigo, dá uma força ai!

O outro se fez de difícil:

- Sinto muito companheiro, mas seu carro parece mais uma banheira!E o documento então?Fica difícil assim!Sinto muito mas vou ter que multar...

O trapaceiro fazendo cena:

- Pôxa, amigo! Sei que voce é camarada e vai dar um jeitinho da gente conversar!Posso deixar uma cerveja...faz um calorão aqui nesse Rio de janeiro...Tenho também uns salgadinhos aqui que são para a festa de aniversário da minha sogra.Tenho certeza que ela não se incomodará se eu deixar uns de presente para tão nobre policial.Vê que cheirosos estão, ó!

O corrupto logo começou a ceder, mas ainda se fazendo de difícil:

- É...pode ser...vou quebrar seu galho dessa vez, mas só dessa vez!Vê se acerta sua situação, rapaz!Faz o seguinte: vai até aque la banca de jornal alí da esquina e deixa tudo com o "corôa" que tá lá.

- Pôxa, companheiro, valeu mesmo!É pra deixar tudo com ele?Posso ir depois?

- Pode, pode sim!Deixa lá!

O trapaceiro foi até a banca e dirigiu-se ao jornaleiro com a seguinte conversa:

- Boa tarde, amigo!

- Boa!

- Eu sou colega de profissão do nosso amigo aquida pista e estou por dentro do esquema do esquema.Ele pediu que eu retirasse tudo pra ele e levasse para um lugar seguro hoje porque o "bicho tá pegando" no quartel.Tá aqui minha identificação ó.Seja discreto, não deixa ninguém perceber nada.

O jornaleiro fez uma cara meio desconfiada e o trapaceiro logo tratou de confirmar o que dizia:

- Olha só, vou assoviar pra ele olhar pra cá e confirmar a parada com o senhor.

Assoviou bem alto e quando o policial corrupto olhou ele perguntou ainda mais alto:

- É tudo? Tudo mesmo?

Distraído com o movimento do trânsito e pensando que o trapaceitro estava em dúvida sobre deixar t udo o que havim combinado, ele acenou positivamente com o polegar e gritou:

-É tudo!Tudo mesmo!

O jornaleiro entendeu que estava liberado o negócio e entregou todo o ganho do dia.E olha que dizem que não era pouca coisa não!Tinha fartura de beijouterias, enlatados, feira da semana completa, roupas e tudo que se pode arrecadar no trânsito louco do Rio de janeiro!

No fim do dia, o corrupto foi até o jornaleiro para dividir o lucro como de costume e somente aí perceberam que haviam caído e um golpe.

Dizem que o caso do policial corrupto trapaceado pelo colega de profissão correu por todos os quartéis do Rio de janeiro, e que envergonhado com o fato ele pediu mudança de posto, até que acabou seus dias de policial fazendo serviços burocráticos no quartel, para onde fora mandado após ser reabilitado depois de uma estranha depressão.

E o trapaceiro?

Ah, esse virou lenda!

Sua identidade nunca foi confirmada.Há quem diga que ele distribuiu o ganho do corrupto e m uma comunidade carente da região e virou um ícone entre os policiais honestos de todos os quartéis, mas se é verdade, já isso eu não sei...

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