Tema 198 - PORTEIRA FECHADA
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A DIFÍCIL ARTE DE ME COMUNICAR COM MEUS FILHOS ADOLESCENTES
Capitu RJ

Estava eu aqui em um dos raros momentos de paz e silêncio do lar. Silêncio este explicado pelo fato do meu filho estar jogando futebol com os amigos e minha filha estar na casa dos avós. Aproveitei esta solidão boa para colocar algumas fotos em ordem.

Olhando as fotos mais antigas, lembrei-me de como era interessante o tempo em que eles começaram a dizer as primeiras palavras. Tinham sons que não diziam absolutamente nada com nada mas eu jurava que tinha ouvido um ?mamãe? distorcido. Rsrsrsrsrs. Com o tempo foram formando frases curtas e mais algum tempo depois já conseguiam pronunciar um período inteiro. Ahhh! Quanta saudade! A suavidade da vozinha infantil, a mistura com os risos que ora vinham junto com as palavras mal pronunciadas... Tudo era uma delícia de escutar! Música para os meus ouvidos. Coisa boba que é mãe...

Curioso nessa época é que dificilmente alguém que não convivia diariamente com eles entendia o que eles queriam dizer logo assim que os ouvisse.Ás vezes era necessário que eles repetissem várias vezes para que os outros entendessem o que queriam dizer, mas eu sempre entendia tudo!Verdade!Por mais complicado que parecesse para os outros, para mim era claro como água o que eles queriam dizer.

Lembro-me que meu filho, por exemplo, chegava na casa da avó e pedia “cacoito” ou então “cacoiti”. Ela, a avó, até achava que sabia o que era mas não sabia não... Ela pensava que era tudo “biscoito” mas não era; “cacoito” sim era “qualquer biscoito” mas “cacoiti” era um tipo de biscoito bem pequenininho, daqueles que vem em saquinhos, geralmente usados para lanche escolar ou aperitivo.

Também me lembro que minha filha por volta dos seus dois anos de idade mais ou menos, ficava um período do dia com a babá. Ela era uma babá muito dedicada e gostava demais das crianças, mimava muito a menina, fazendo-lhe todas as vontades. Certa vez ela comentou comigo que minha filha todos os dias lhe pedia coca-cola.Estranhei muito porque não tinha o hábito de dar refrigerantes diatriamente para os meus filhos; geralmente tomavam sucos nas refeições, mas ela insistiu que era verdade e ainda brigou comigo dizendo que fazia questão de comprar a coca-cola porque não ia deixar a bonequinha dela aguada. Pacientemente pedi-lhe que me explicasse melhor a história. Ela então me contou que era assim: ela dava almoço para as crianças juntas, sempre com o suco acompanhando. Depois levava o menino para o colégio. No caminho de volta pra casa, a menina então pedia: “Ti Cione, ocucacóia!”

Não me contive. Comecei a rir muito e só depois expliquei pra ela que não era nada disso. Ela não estava pedindo coca-cola nenhuma! ”Ti Cione” na verdade era “tia Alcione” (o nome da babá) e “ocucacóia” era “O Lucas está na escola.” Só então a babá entendeu que estava entupindo minha filha de coca-cola todos os dias desnecessariamente. Tinham outras coisas também que ela dizia muito complicadas, como “a pupa peti”, que nada mais era do que “o pano da chupeta”. Até que alguém entendesse isso levava horas! Só eu era capaz de atendê-los em tudo porque era a única que entendia tudo o que diziam!

Pena que o tempo passa...

Depois que guardei as fotos comecei a pensar em como era fácil entendê-los quando eram ainda tão pequenos, com tanta dificuldade na pronúncia e ainda sem nenhuma instrução.

Hoje, são adolescentes, e às vezes eu vejo como é difícil entender que língua eles falam!E olha que são instruídos em bons colégios, com excelentes professores, mas ainda assim adotam uma linguagem própria de adolescentes para se comunicar que muitas vezes esbarra na minha capacidade de compreensão.

Outro dia, eu estava me arrumando para irmos todos juntos a uma festa. Levei horas no quarto escolhendo o melhor vestido, um sapato que combinasse com ele, a bolsa correta, os acessórios, enfim, queria estar bonita. Quando saí do quarto, meu filho me olhou de cima a baixo e disse: “visual sinistro mãe”!

Voltei para o quarto e troquei tudo. Quando saí, o pai dele perguntou porque eu havia trocado de roupa se estava tão bonita com a outra. “Meu filho disse que meu visual estava dando medo”. Respondi. Na mesma hora ele protestou: ”Não disse nada disso! Disse que estava sinistro!”

Ao que eu retruquei: Então. Sinistro, sinônimo de pavoroso, algo que mete medo!

Até ele me explicar que na línguagem dele sinistro significava muito bacana, arrazou ou coisa parecida, eu já estava cansada demais para me trocar de novo.

Tem dias que preciso anotar o “adolescentes” que eles estão dizendo e pedir a tradução. Só assim conseguimos nos comunicar em casa, travando uma verdadeira batalha entre a Língua Portuguesa e a línguagem adolescente. Já estou até ficando boa nisso! Entendi, por exemplo, que “já é” quer dizer o mesmo que “concordo”; que “demorou” quer dizer “agora mesmo”; que “vou meter o pé” não quer dizer que eles vão chutar alguma coisa e sim o mesmo que “vou sair”; que “quatro é par” não é lição de matemática e sim que “ele e o amigo estão acompanhados de meninas”; que “mãe vaza” não significa que vou ter que expelir algum líquido e sim que “tenho que sair do ambiente”; que “mãe, saca só” ou “se liga só” não é um convite para jogar vôlei com eles, nem conectar nenhum aparelho na tomada, é o mesmo que “mãe, presta atenção”!

Às vezes me rebelo! Digo que não os respondo, a nenhum dos dois, até que falem comigo no Português correto! Faço greve de comunicação em prol da Língua Portuguesa e sua sublime norma culta de ser pronunciada. Como os lindinhos da mamãe precisam comer, vestir roupas limpas e principalmente precisam de dinheiro, até consigo fazer com que falem direito por um tempo. Mas é sempre só por um tempo...

A mim resta pedir: mil desculpas por eles Paulo Freire!

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