Tema 200 - 1956
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APENAS UM NÚMERO?
Tieme Mise

Cemitério! Relutar faria com que me sentisse devedor. Não me agradava passear por sobre a terra onde havia corpos enterrados. Não pude chegar a tempo para o enterro do tio Fred, então agora, um gesto de adeus tardio numa visita ao seu túmulo.

Gostava do tio Fred com suas bochechas vermelhas e riso fácil. Com seu corpo que parecia balançar cada vez que andava. Era um gorducho, rosado, descendente de irlandês que se encantou com os olhos e dengos da tia Maria gerando primos de loura cabeleira.

O telefonema me pegou de surpresa, numa tarde de trabalho extenuante, completamente impossível de ser relegado para o dia seguinte. O prazo de entrega era hermético. Como o tio já havia morrido mesmo, vítima surpresa de um infarto em pleno agosto, eu o visitaria depois.

O tempo passou e me esqueci completamente da promessa. O mês de novembro já estava quase findo quando, ouvindo pela rádio o nome de Fred Astaire, como o melhor dançarino do mundo, lembrei-me do tio.

Agora estava eu a visitá-lo. Uma profusão de túmulos se modificava aos meus olhos atentos: uns tão pomposos que mais pareciam capelas pequenas guardadas por anjos de pedra. Outros tão floridos, talvez recém escavados. Alguns com uma cruz de mármore e lápide com escritos dos parentes pesarosos. Outros com apenas um nome e uma data. Cheguei ao jazigo do tio, estranhamente vazio de flores, com uma cruz de mármore branco abrangendo toda tampa e inscrito nela: "Sorrirás feliz assim na terra como no céu!"

Tinha sentido! Já no túmulo ao lado do dele as flores, de vários tamanhos e cores, se amontoavam.

Uma curta oração de pesar desejando que ele estivesse em um bom lugar e me desculpado pelo atraso. Olhei de soslaio outra vez o túmulo florido e o do tio sem nada. Ninguém por perto. Peguei um ramalhete de flores que estava sobre as outras do túmulo ao lado, me desculpado, e coloquei no jazigo do tio. Sabia que o morto não iria reclamar.

De meus lábios brotou um sorriso maroto, mas gravei o número da sepultura para, ao retornar em outra visita, ressarcir as flores surrupiadas: 1956 Saí! Tinha a sensação de dever cumprido! Caminhei devagar até uma banca de revista. Um garoto passou por mim gritando:

- Joga, joga, é o grupo da cobra e do gato. Sorte grande.

O número do túmulo florido veio à minha mente. Era o do grupo da cobra. Resolvi arriscar, com um pressentimento estranho de que as coisas não acontecem por acaso. Senti que meu tio ria debochado!

- Menino, joga 1956, na cabeça!

Quando cheguei em casa trazia ainda no bolso o bilhete comprado e o riso ironicamente travesso do tio em meu coração! No domingo fui ver o resultado. Tinha dado 1955, o número do túmulo do tio! Por isso ele ria tanto!

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