Tema 003 - NEM ISSO, NEM AQUILO
BIOGRAFIA
O QUE É O LADO DE LÁ? E O QUE É O LADO DE CÁ?
Bruno Freitas

Do lado de lá, estendem-se ricas palmeiras, por onde as araras pairam sobre suas copas e fazem a dança milenar da procriação, entoando a cantoria primaveríl por toda a eternidade. Do lado de cá, o lixão, onde sente-se o odor das fossas entupidas e mal cheirosas, e por onde trafegam livremente o germe da loucura e a semente do caos. Do lado de lá, existem os tocadores de harpa com seus harpejos angelicais entoados por toda eternidade. Do lado de cá, somente o rugido dos porcos, das varejeiras, das baratas, e da fumaça evaporada do lixo fresco. Do lado de lá, lindos campos verdes, por onde o flautista de Hamlin passa tocando sua melodia. Do lado de cá, um horizonte de sacos plásticos, por onde os catadores de lixo desfiam versos de "Além do horizonte, existe um lugar, bonito e tranqüilo pra gente...." Do lado de lá, a beleza e a paz. Do lado de cá, o podre dos dejetos do lado de lá. Do lado de lá, a gente sonha a vontade com vírgulas e reticências, bem colocadas, eufemismos, metonímias, metáforas, paradigmas, e que todas proparoxítonas são acentuadas. Do lado de cá, a discordância verbal e onomatopéias ridículas de um seriado do Batman. Do lado de lá, a verdade doa a quem doer. Do lado de cá, a mentira, falsidade e a inveja, daqueles que querem ser quem não são, e que insistem em dizer que querem ser John Malkovich. Do lado de lá, a intelectulidade e toda a nata da sociedade Brasília, dos freqüentadores do Carpe Diem e dos saraus poéticos de Menezes y Moraes. Não que eu seja contra aqueles saraus, e que o pessoal do lado de cá muito freqüentou as noites de poesia no antigo Underground bar, y a mi tambien me gusta los escritos de Menezes y Moraes, porque sei que ele navega com fluidêz entre todos nós. Do lado de lá, as férias de verão em Acapulco, em Cancun, Paris, ou Veneza. Do lado de lá, o inferno vazio de uma cidadezinha vazia, com ruas largas e amplas avenidas. Do lado de lá, o vento morno das chuvas esparsas de fim de tarde. Do lado de cá, os pesadelos torrenciais que derrubam árvores, destroem casas, e alagam todas as ruas onde existe o livre acesso. Do lado de lá, a virtude, a seriedade, e a criatividade como matéria prima. Do lado de cá, uma explosão de alegria recorrente a uma palhaçada circense. Do lado de lá, Glauber Rocha, Cacá Diégues e Caetano Veloso. Do lado de cá Mojica Martins, Afonso Brazza, e Arrigo Barnabé. Do lado de lá, um banquete de caviar e salmão, regados a vinho do porto. Do lado de cá, a velha feijoada completa, as caipirinhas, as purrinhas, os rabos de galo e o velho wisky com guaraná. Do lado de lá, o Titanic naufragando numa viagem de luxo. Do lado de cá, o Bateau Mouche entornando pela Guanabara. Do lado de lá, o sucesso das empreiteiras, multinacionais, e conglomerações na bolsa de valores. Do lado de cá, o desastre Petrobráx. Do lado de lá, e do lado de cá. Do lado de lá, não sei nunca fui... Do lado de cá, também não... Estou aqui, bem no meio, navegando nos mares nunca d'antes navegados de lama marron e viscoça que saem das fossas do lado de cá, pois do lado de lá, reinam os tipos bem asseados, que confundem o cú com as têmporas, e que têm nojo da própria merda.

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