Tema 007 - SOSLAIO
BIOGRAFIA
BE HAPPY
Luís Valise

Todos os dias era aquele banho demorado, no capricho, o shampu fazendo um capacete de espuma densa e perfumada, a esponja esfregada vigorosamente no corpo avermelhando a pele, e no fim a súbita troca da água quente pela fria, brrrr, tem que ser macho!, brrrr, ai, puxa!, ahn, ahn, ahn...chega.

Enxuto, toalha enrolada na cintura, exame no espelho: estufa o peito, braços ligeiramente afastados do corpo mostrando as asinhas abaixo das axilas, braço direito flexionado, o muque redondo crescendo sob a pele (se eu dou uma porrada num, acho que eu estuporo!). O creme de barba cobre a pele escurecida, a gilete faz rrrrrr contra a resistência dos pêlos duros, o ardor da loção, o pente nos cabelos, o capricho.

O 32 - Vila dos Marrecos / Centro - sempre vem lotado. Com jeito e esforço (licencinha!) vai-se aproximando do meio do ônibus. Sente, sabe, tem certeza que ela está olhando, esperando o bom-dia, não estou nem aí, não dou mole, daqui a pouco ela desiste, então deixa eu dar um look de esguelha, rápido, assim, ela está olhando!, tenho que cumprimentar, viro o rosto com naturalidade Oi!, bom-dia, não tinha te visto, puta cara-de-pau a minha!, ela está com aquela camiseta amarelinha que tem escrito na frente SMILE e uma carinha redonda, ainda mostro pra ela o que é bom pra tosse... Nem preciso olhar pra baixo pra saber que está de calça comprida justa, a bunda redondinha, se alguém olhar eu estuporo!

Um dia ela estava com uma amiga que a chamou de Tânia, Tânia, ele nunca esqueceu. Será que ela freqüentava alguma Igreja? Namorado não tinha, senão não ia olhar pra ele assim. E ele olhava pra ela, de través.

De noite, sentados olhando a televisão, a mãe se queixava da falta de conversa, é que ele já estava pensando na manhã seguinte, a mãe não sabia das coisas. Se ele tivesse coragem  convidava ela pra conhecer a mãe, a casa sempre arrumadinha, pobre com muita honra. Amanhã eu dou um güenta!

E deu. O coração quase que saiu pela boca quando disse Bom-dia, Tânia, e viu sorrateiro seu olhar de espanto, a boca aberta, como sabe meu nome? Nome bonito. Mulher bonita tem que ter nome bonito. Pronto!, por que eu fui falar isso, eu nunca pensei nisso, e seu olhar oblíqüo viu que ela sorria. O namoro começou assim.

A mãe dele gostou, já tinha conversa de noite defronte a televisão. A mãe dela gostou, ainda mais quando ele trocou também de Igreja. E ela, que já estava gostando, passou a adorar, quando uma noite, entre beijos de despedida no portão, de soslaio, viu o que era bom pra tosse. O smile da camiseta agora estampado em seu rosto redondo...

 

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