SONHO DE RITMISTA
Maurício Cintrão
 
 
Não sou fofoqueiro. Mas há casos que não combinam com sigilo. Por isso, cometo esta indiscrição. Um engenheiro conhecido meu, sujeito da mais alta estima, revelou um segredo impagável a amigos comuns: sempre sonhou em tocar na bateria de uma escola de samba.

O sonho até que não tem nada de anormal. O surpreendente é a personagem. Quem convive com esse camarada, não imagina nem de longe que, por trás daquela carranca profissional, pulse um sambista em estado bruto, quase passional.

Dizem os amigos comuns que ouviram a história - e eu insisto, se estou fazendo fofoca, foram eles que começaram - , que o grande impedimento para a realização do sonho, não era a timidez do engenheirão. O problema, o entrave maior, a grande barreira era a sua inabilidade musical. Ele é uma desgraça no tum-ca-ti-ca-bum. Réu confesso, garante que atravessa no ritmo até em "parabéns prá você". Disso não posso dar fé. Nunca fui a aniversário com ele. Mas, dizem que é assim.

Pois o destino é curioso e prega peças nas pessoas. Nos descaminhos da vida, ele acabou apaixonando-se por uma moça, hoje sua mulher, cuja família é carnavalesca da gema - ela, inclusive. Estão envolvidos até a alma com uma escola de samba do litoral paulista. Ao longo de muitos Carnavais, em função do amor e dos compromissos familiares, assistiu a muitos desfiles, sendo obrigado a conviver com aquela chateação. Sambava a família ao som de uma bateria que não contava com sua laboriosa contribuição.

Mas família é um fenômeno sensacional. Quando o grupo decide dar fim à angústia de um dos seus membros, não há quem segure. Família carnavalesca, então, nem pensar. Um dia, portanto, a família decidiu que iria ajudá-lo a realizar o sonho. No começo foi meio complicado para convencer o mestre de bateria. Nenhum sambista que se preze quer correr o risco de perder pontos na passarela apenas por gentileza. Mas, sabe como são essas coisas, conversa vai, conversa vem e chegaram a uma solução.

Conto isso emocionado, até porque estamos no clima de Carnaval. Prevejo aqui, a distância, o que vai estar acontecendo neste final semana, quando a garbosa agremiação do samba ingressar na avenida. Na bateria, ali, bem na frente, feliz feito uma criança, vai estar o mais orgulhoso componente da escola.  Enquanto surdos, repiniques e contra-surdos arrepiarem na marcação, o engenheiro vai desfilar o seu sonho, fazendo número com um chocalho vazio nas mãos.

 
 
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