Tema 014 - FOLHA
BIOGRAFIA
PESO DE OUTONO
Beto Muniz
A última folha da paineira não resistiu e caiu. Foi um cair angustiante, lento, como se ela tentasse seguir a camada de ar quente que fugia, como se ela fosse também pássaro buscando o norte. A folha desprendeu-se do galho como quem deixa uma vila e segue rumo a cidade grande. Alçou vôo, por instantes pareceu até que alcançaria uma nuvem veloz em direção ao Equador... Não teve forças, estremeceu como quem suspira um desalento e desistiu, se deixou levar ao sabor da brisa de fim de tarde. O galho seminu acompanhou sereno, como um pai que vê o filho se perder no mundo. Agitou-se num farfalhar de adeus para sua folha já longe longe. Não tão longe assim, já se quedava, prostrada em face do morrer em amarelo.

Minha culpa! Ela poderia ter ido mais longe se não carregasse a responsabilidade de levar mais ao norte, aonde vão os pássaros, recados do amor que tenho guardado por uma moça. Neste breve espaço de tempo a minha ânsia de remeter sentimentos derrubou a folha de paineira. Minha culpa. Minha máxima culpa! Pesou em demasia a carga desse meu bem querer. Em penitência recolho a folha, faço do livro um túmulo e mais nada. Ficamos por aqui, eu e minha folha observando as nuvens em procissão acinzentada. Talvez eu ainda encontre um pássaro temporão e piedoso, talvez ela consiga alçar vôo e partir levando ao menos a folha, não devo sobrecarregá-lo com o peso de meu bem querer. Somos, eu e a folha, guardiões dos céus vigiando ventos rumo ao norte.

Esperanças! Mas também periga que folhas, recados e pássaros passarem o inverno aqui, dividindo sutilezas com estes sentimentos hospedados em meu coração - ou prisioneiros de mim - até o próximo verão.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor