Tema 014 - FOLHA
BIOGRAFIA
A SAPIÊNCIA
Viviane Alberto
Quem são, afinal de contas, os sábios que fazem os ditados?

Eu não conheço um só sábio brasileiro, o que não chega a ser uma novidade, já que a grande maioria dos ditados são pérolas de sábios chineses.

Muito esperto isso de resumir, em uma linha ou duas, o conhecimento necessário para resolver de forma universal desde os pequenos problemas cotidianos até as questões mais profundas e filosóficas que afligem o ser humano.

Só se funcionar pros outros, porque pra mim não está dando certo, não.

Uma dessas máximas filosóficas diz assim: "Antes de sair para mudar o mundo, dê três voltas completas dentro de sua própria casa". Está bem. Isso porque o sábio está lá na China e não dentro da minha casa.

Se ele soubesse que a porta do meu quarto sofreu uma mutação depois da última chuva e, por efeito da umidade relativa do ar, não fecha mais.

Se ele visse o estado em que ficou a pintura da área de serviço, por causa da mesma chuva que fez com que a folha da porta empenasse.

A porta da sala, não. Não foi culpa da chuva. O miolo da fechadura está emperrando desde a ultima primavera. Preciso trocar, preciso trocar. Mas eu só me lembro disso quando chego em casa e a chave fica presa. Meia hora depois, quando consigo soltar, minha cabeça também 'se solta' dessa lembrança e o incômodo vai se arrastando.

Meu guarda-roupas não constitui exatamente um problema, já que na minha concepção, ele é um Universo a parte. Abra a porta e mergulhe no desconhecido. Sobreviva se for capaz. Quem é que não gosta de uma aventura, logo de manhã? Um desafio sair vestida todos os dias.

Um ser alienígena divide o teto comigo, ainda que eu nunca tenha estado frente a frente com ele. Mas sei que ele existe e se alimenta das minhas meias, como naquele seriado infantil. Algumas ele consome logo que as tiro (onde?). Outras ele guarda pra comer depois, sem me dizer nada, no compartimento de roupas para lavar. Sempre no fundo onde a mão não alcança.

O armário da cozinha foi invadido por formigas minúsculas, que adoram biscoitos de banana e canela, assim como eu.

O gabinete do meu antigo computador enferrujou. Eu nunca vi um precedente disso em lugar nenhum! Nada mais presta, mesmo. Está certo que o micro não era último modelo, mas daí a enferrujar... Humilhação.

E o portão? Portão pra quê, já  que estou no interior e as  preocupações com grades e cadeados ficaram pra trás. Muito melhor essa casa assim, sem portões ou muros, no melhor estilo  american way of life.  Isso eu pensava até a semana passada, quando roubaram a mangueira do quintal. Agora preciso de um portão, antes que levem os cachorros.

Pensando bem, não seria má idéia se alguém levasse os cachorros. Eu não precisaria mais me preocupar em comprar a ração certa. Digo 'certa'  porque eles não gostam daquela que tem chicória. Mas também, não sei porque colocar chicória na ração para cachorros, cada idéia. Comprei sem perceber.

E aí chegamos ao ponto. Por que não usam o conhecimento adquirido sobre os benefícios da chicória para aplacar a fome no mundo? A fome das pessoas e não dos cachorros.

Ou poderiam se concentrar na questão da Paz (a ausência dela) no Oriente Médio, as novas epidemias de velhas doenças, o analfabetismo, a miséria. Enfim, problemas coletivos que não acabam mais. É só  ler um bom jornal que a cabeça começa a fervilhar de indignação e idéias. Quem sabe soluções! Só não sei como fui pensar nisso, quando o assunto era a chicória...Livre associação, será?

Mas o sábio chinês quer que eu passe e dobre minha roupa. Que eu chame o chaveiro, que eu vá ao supermercado.

Que me perdoem os sábios, mas eu vou é organizar uma seita, convocar uma guerrilha ou algo do gênero. Preciso fazer alguma coisa. O que não dá é pra ficar em casa, pensando. Inventando ditados pra irritar aos outros.
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