Tema 018 - PENSAMENTOS IMPERFEITOS
BIOGRAFIA
MINHA HISTÓRIA IDEAL
Paulo Panzoldo

Nós, candidatos a escritor, escritores, poetas e afins somos assim mesmo, meio esquisitos. Ninguém escreve simplesmente por escrever. No fundo, todo "gaveteiro" tem como ideal ser lido por alguém, algum dia, nalgum lugar. Eu escrevo por mim e para mim. Compulsão, diz meu psiquiatra. Até aí tudo bem, pois dizem que Cervantes escreveu Don Quixote pelo mesmo motivo. Se o cavaleiro errante foi ou não a "história ideal" de Miguel, só ele poderia responder. Já a minha...

Minha história ideal não será tão engraçada quanto a de Rubem Braga, escrita para "alegrar aquela moça que está doente naquela casa cinzenta", e que correria mundo, anônima, alegrando corações até chegar aos ouvidos da musa. Não. Minha história será como um abridor de latas, uma britadeira movida a paixão, capaz de estilhaçar em milhões de pequenos diamantes um coração de pedra e, como a história do Rubem, correria mundo, apócrifa, até chegar a seu destino: o coração de Juliana.

Juliana não está doente, mora numa casa cinzenta mas não é triste como a moça da janela. Já foi pequerrucha e princesa, hoje é menina-moça, quase mulher, uma flor que desabrocha. História mais careta essa minha, mas será uma história tão comovente, mas tão comovente, que valerá a pena ter vivido só para escrevê-la. Nas cadeias, a fuga deixará de ser necessária, pois os corações dos traficantes, estupradores, ladrões, bêbados e putas estarão libertos. Nenhum pássaro ficará na gaiola para que apenas seu dono ouça, egoísta, seu canto. Nenhum patrão ou governante conseguirá oprimir o outro, o mais fraco, após ter lido a minha história. Nenhum casal deixará de se amar e ninguém mais passará fome. Nos hospitais, os remédios serão trocados pelo otimismo, depois de lerem a minha história. As portas das escolas serão abertas, e nelas será lida a minha história a todas as crianças carentes, exploradas e abandonadas. O medo e a mentira darão lugar à paz interior. Os meios de comunicação - todos - serão substituídos por um simples sorriso. Tudo isso por causa da minha história. Lá no alto, vendo a Terra brilhar como ouro, um astronauta perguntará: "Houston have you a problem?", e Houston lhe contará a minha história. Daqui debaixo passaremos então a ver mais uma estrela a brilhar no universo.

E quando, finalmente, ela chegar aos ouvidos de Juliana, ela me perguntará: "de onde, afinal, você tirou essa história?", e eu responderei que ela não é e nem nunca foi minha. Foi parodiada do Rubem Braga, que ouviu por acaso uma história engraçada, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história..." Mas eu não esconderia a humilde verdade: que pensei nela, Juliana, que mora numa casa cinzenta, que já foi pequerrucha e princesa, hoje menina-moça quase mulher e diria: "Foi para você, minha filha, que escrevi essa história."

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