Tema 025 - OS PECADOS CAPITAIS
BIOGRAFIA
E EU COM A LIGHT?
Beto Muniz
Estou com medo!

Pode até parecer brincadeira um marmanjo, feito eu, começar uma crônica com essa confissão: Estou com medo! Mas considerando que não nasci dotado de bravura em face do perigo, e sim, fui adquirindo essa tal coragem com o tempo, não tenho receio em dizer que ainda não adquiri desembaraço para lidar com o escuro. Tá escuro? Pode pegar minha mão que eu tô gelado de medo! E se o governo cumprir com suas ameaças (sim, ameaças) de racionamento, terei um inverno pavoroso! Nada de inventividade nas crônicas, nada de poesias, de paródias, nada de criatividade ou inspirações. Além do frio no corpo, serei assolado pelo frio na alma e no espírito. O medo é gelado!

Se no primeiro dia do mês de junho o Brasil tem um encontro marcado com o caos, eu particularmente tenho uma fuga para iniciar. Vou arrumar meios e maneiras de fugir do escuro sem agravar meu relacionamento com os governantes. E eu sou besta de me meter no meio dessa crise social-político-econômica? Mesmo não querendo ser besta, e sem querer provocar, fico com uma pergunta martelando minha mente: como pode existir um país no mundo que não se preocupa com os medos e as alegrias de seus cidadãos? Sim, o "Apagão" (termo que o governo utiliza para maquiar a palavra blecaute) vai influenciar diretamente o humor do povo! É claro que milhares de brasileiros compartilham meu medo. É possível também que haja quem despreze esse pavor, mas não sou egoísta de pensar só em mim. Penso nos milhares de cancioneiros domésticos! Acabaram-se os shows musicais embaixo do chuveiro! Meu prédio era o mais feliz do bairro, já nas primeiras horas do dia eu era despertado por canções, árias, cantigas e até ópera-bufa. Mas que? Fecharam o chuveiro dos meus vizinhos e hoje não ouço nem um assovio, nem uma estrofe, nem uma nota desafinada ecoando no horário do banho matinal. O Apagão vai exterminar o feliz despertar desse filho de Deus. Sim, sou ateu, mas diante do escuro até a minha fé é renovada... E a criação literária? Em nome do racionamento e da economia imposta pelo estado, fui proibido de usar o computador por mais que duas horas ao dia. Essa crônica eu escrevo no trabalho, correndo o risco de ficar desempregado caso seja pego em flagrante delito de roubar horas da empresa.

Pode um cidadão criativo (eu!) ser aterrorizado com tantos prenúncios e indícios de coisas desagradáveis? Posso optar por não levar a sério as ameaças do governo, mas aí corro o risco de ficar uns três dias confinado na casa da sogra. Eu não fico em casa, sem luz, nem um segundo! Estivesse o poeta vivo o poema seria outro?

E agora Mané?
O dia acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José Jorge?
E agora, você?
Você que é ministro,
que zomba dos outros,
você que faz leis,
que apaga, desliga?
E agora, FHC?
Está sem desculpas,
está sem discurso,
está sem iluminação,
já não tem televisão,
já não tem microondas,
se banhar já não pode,
a popularidade esfriou,
a chuva não veio,
o investimento não veio,
a luz não veio,
não veio a eletricidade
e tudo desligou,
e tudo escureceu,
e tudo apagou,
e agora, ANEEL?

É claro que estou brincando e aproveitando a poesia do Drummond para distrair meus medos. O poeta vai me desculpar, eu sei, mas logo vai acabar o dia e esquecerei a poesia, a distração e a zombaria. Quando a noite chega, eu esqueço tudo!

Pensando bem, são 17:54h. Estou começando a perder a graça... Juro que estou tentando, estou me preparando para o apagão, para a economia forçada, para o clima de guerra, mas também admito que não estou simplesmente com medo. Estou apavorado! Minha casa já está na penumbra. Todos os aparatos elétricos que mantinha meu medo do escuro a quilômetros de distância estão desligados. Resta apenas uma lanterna que funciona com pilhas. Está presa na cinta como se fosse uma arma de aniquilar medos, prestes a ser sacada diante da mínima ameaça. Cada cantinho da casa é iluminado na primeira impressão de que o escuro está crescendo e vai tomar conta de mim.

Essa minha apreensão, esse meu pavor é culpa de quem? Apavorar o próximo deveria ser pecado. Será que na próxima encíclica o nosso combalido João Paulo II poderia incluir algo sobre essa prática? Afinal, o que é estabelecido na carta circular pontifícia deve ter alguma influência diante dos governantes do maior país católico do mundo. Mesmo que os leitores (e eleitores) desse país estejam às escuras.

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