Tema 025 - OS PECADOS CAPITAIS
BIOGRAFIA
IRADO, POR QUE NÃO?
Lisa Simons

Os "pecados capitais" constam dos textos bíblicos, como também as "virtudes capitais", muito embora elas não tivessem sido tão bem divulgadas, naturalmente porque os vícios sempre despertam maior sedução, afinal somos todos grandes pecadores e virtuosos nem tanto.

Ao analisar profundamente os sete pecados capitais, listados durante a Idade Média, a pedido de Felipe II, rei da Espanha, conclui-se que eles chegam a ser até mais cruéis do que alguns classificados como "mortais", ou melhor, os que comprometem a alma da criatura, impedindo-a, se não forem redimidos, de ingressar no mais alto dos céus.

É bem verdade que deveria haver uma quantificação da intensidade e freqüência com que se comete tais pecados capitais, porque em uma análise superficial, constata-se que, dificilmente, um simples mortal escapa de praticar eventualmente, e até, sistematicamente, um, dois ou até todos os sete. Daí a importância da criação de uma medida, um índice talvez, que pudesse orientar a possibilidade ou não da redenção de nosso espírito, ou mesmo na avaliação do caráter do próximo, atividade essa que consideramos bem mais interessante.

A Estatística está aí para explicar que determinado evento é ou não importante tendo em vista a sua freqüência e intensidade. Assim, teríamos uma tabela individual considerando-se a média ponderada extraída dos demais pecadores de nosso planeta, que, diga-se de passagem, não levam muito a sério as infringências em questão.

Brincadeiras à parte, dentre os pecados capitais, um deles reporta-me a recente acontecimento, digno de ser comentado.

IRA

Como os demais pecados, esse também se desdobra em horrendas manifestações de nosso EGO, obviamente latentes no ID (Inconsciente) que, segundo a metapsicologia Freudiana, justificaria todas as nossas perversidades, fraquezas e paixões, já que o pobre EGO não é senhor, nem em sua própria morada.

A IRA, costumeiramente, é representada por uma criatura rubra destilando ódio em forma de baba e suor intenso. É terrível ser possuído por tal manifestação inferior de nosso caráter, mas, na maioria das vezes existe um gatilho responsável pelo desencadeamento dos sintomas.

Ontem, ao estacionar meu carro, observei que o porteiro, de nome Severino, não me cumprimentou como de costume com um sorriso aberto e um aceno de mão.

Antes porém, devo esclarecer que Severino mora na maré, uma espécie de braço de mar, inundada vez por outra pelas águas salgadas, onde as muriçocas se reproduzem assustadoramente e o povo costuma dizer que carregam suas vítimas de tão agressivas. Por outro lado, aqui, no Recife, nem à noite o calor diminui e se considerarmos que as janelas devem permanecer fechadas por conta dos larápios de plantão, impossível, então, se ter um sono confortável, mesmo com ventilador no rosto, a não ser, é claro, se possuirmos um bendito aparelho de ar-condicionado.

Desci do carro e me aproximei de Severino perguntando o que havia ocorrido. Ele que estava lívido, espumando, suando por todos os poros, me respondeu:

- Dª Lisa, quebrei o desgraçado do aparelho de ar condicionado! Não deixei uma pecinha inteira! Minha mulé me botou pra fora de casa, dizendo que estou com o rabudo, aquele mesmo que não gosto nem de falar o nome!

- Mas Severino, porque você fez isso se estava tão satisfeito em poder dormir no ar geladinho, sem as benditas muriçocas atacando as perninhas de seu menino e fazendo aquelas bolhas horríveis... Vichê! Que loucura foi essa, homem?

- É o desgraçado do racionamento que o Presidente inventou! Disse socando o ar e arregalando ainda mais os olhos.

- Minha mulé endoido, me tirou do sério! Três dias ela não fala noutra coisa, encrencando que por causa do ar-condicionado vão cortar a luz da gente e ainda obrigá a pagá uma multa de duzentos real.

- Meu Deus! Tudo isso?

- É, Dª Lisa. Sabe a patroa da minha mulé? Desde que eu ganhei esse famigerado aparelho no sorteio de Natal, ela não cansa de dizer que isso é coisa de rico, e que o ar gelado puxa muita energia, fazendo o reloginho girar que nem carrapeta!

- Hum...Ar- condicionado gasta muita energia mesmo... Comentei.

- Veja só Dª Lisa - continuou - Ela disse que sô luxento, mas esse conforto era o único que nos tinha, e agora nem isso podemo tê mais! Pobre nasceu pra isso mesmo, pra se lascá! Tô irado, sim, quebrei tudinho mermo, num deixei nem um parafusinho inteiro!

O que dizer a Severino se eu, que tenho a janela de meu quarto de banda-mar, estou me revirando na cama, sem poder dormir, diante do desconforto causado pelo calor infernal e a ausência da cantiga de ninar do meu ar-condicionado, zumbindo madrugada à dentro. Só me resta cometer mais um pecadinho.

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