Tema 026 - MORRER DE AMOR
BIOGRAFIA
DA SOLIDÃO
May Parreira e Ferreira

Com este nome, Vinicius de Moraes fez uma de suas mais belas crônicas.

". . . Solidão inenarrável, quem sabe povoada de beleza. Mas será ela, também, a maior solidão?" Quando o poeta faz tal pergunta, meu devaneio se lança, pensamento vai longe, distante no tempo, perseguindo a memória.

Eu tão jovem, sentada nas pedras, beira de praia, pés molhados pela água fria de outono, ouvindo a história do velho pescador.

"Quando o mundo não era o mundo, quando havia os grandes dinossauros, e as pessoas ainda não haviam sido desenhadas, existia uma imensa borboleta, tão grande que cobria todo esse céu". A mão levantada faz a volta do horizonte.

"E colorida. Todas as cores estavam estampadas em suas asas. Se já havia o arco-íris, ele estava lá. A gigante borboleta voava de terras em terras, e mares entre terras à procura de um companheiro. Deveria existir para ela, algum que lhe fizesse par. O sentimento de ser sozinho no mundo por menor que seja o mundo é muito doído". O velho apoiado nos calcanhares, falava mansinho, olhar perdido no mar liso. Nós dois, na praia deserta de final de tarde, a conversar sobre ser só.

"A borboleta foi se entristecendo, minguava porque mais voava mais sabia que não iria encontrar seu amor. Naquele mundo conhecido para ela, não havia um lugar sequer a mais onde pudesse procurar. Tinha ânsia pelo encontro e angústia pela ausência. Um dia, cansada, desiludida, recostou-se num pedaço entre terra e mar, e deixou-se morrer de amor".

"Dizem que suas cores se impregnaram na natureza, na cor do mar, no céu, nas flores. E o sentimento de amor iminente, ficou pairando no ar. Dizem, que quando alguém vem para esses lados e está amando fica ainda mais apaixonado, e quem está só, fica querendo o amor, mesmo sem saber onde ele está. É o que dizem".

O velho se levantou lentamente, bateu as mãos nas calças amassadas, tirou o chapéu num aceno cortês e foi-se.

Fiquei imóvel, respirando devagar para não espantar aquela lindeza tamanha. Vi o homem desaparecer no fim da praia. Fiquei só. Eu e toda a beleza do mundo.

A borboleta não era solitária. Palavras do poeta ". . . a maior solidão é a do ser que não ama . . . é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, . . . o maior solitário é o que tem medo de amar. . .".

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