Tema 028 - MEIA PALAVRA
BIOGRAFIA
O PROBL
Samuel Silva
Eu tinha um problema e, porque era um problema, buscava a solução. Não precisava nem ser aquela exata, bastava que fosse suficientemente resolvida para que o que era deixasse de ser, pois um problema só é um problema enquanto não encontra sua resposta. Algo meio Pirandello, aquela história de personagens à procura de um autor. Menciono o italiano, mas só por pseudo-erudição: nunca o li mais gordo. Aliás, gordo não, que agora não se diz mais essas coisas...Obeso. Pode-se dizer obeso? Gravitacionalmente avantajado? Volumetricamente incrementado? Não sei... Por via das dúvidas, esqueçam a citação ao gordo e, para melhorar minha imagem, esqueçam também a citação ao Pirandello. Nem sei se é com um ou dois "l" que se escreve o nome.

Mas eu estava falando de um problema. Não era um problema qualquer, destes pequenos... Não era um problema destes de matemática que se resolve com uma boa calculadora ou com a ajuda de um amigo do mercado financeiro. Não, decididamente, não era um problema-anão. Repetitivo, não? Seria aliteração? Anão? Putz, taí, de novo: Anão, não, que é destas palavras que devem ser evitadas a todo custo, menos pela rima pobre e mais porque é indelicado, grosseiro, discriminatório. Verticalmente deficiente? Ser humano versão compacta? Eca! A emenda ficou pior que o soneto. Bem, não sou poeta e devo melhor escolher as palavras. Esqueçam o anão, como devem ter esquecido a Branca de Neve. Como deve ser sua história contada hoje em dia? Branca de Neve e os Sete Pequenos? Branca de Neve e os Sete Verticalmente Desfavorecidos? Aliás, Branca de Neve pode, não vai ser considerado um exagero sarcástico pelos afro-alguma coisa? Por favor, esqueçam os anões e a Branca de Neve. Esqueçam até a neve, inclusive porque aqui no Brasil Tropical não a temos. Tá, tá, às vezes sim, em São Joaquim. (Rimou!) Já me bastou perder uma amiga, colega de mesa de botequim por anos a fio só porque, respondendo distraído uma saudação banal do tipo "como andam as coisas", respondi, golando o chope gelado, ensimesmado, que a coisa estava preta.

Meu problema também não é daqueles de representar uma ruptura completa com o statu quo ou com o establishment, tipo o garoto de classe média declarar-se veado e querer "viver sua opção sexual". Veado é forte, melhor trocar... Gay... Alegre... Efeminado... Bicha... As opções de palavras, ao contrário das sexuais, estão acabando. Homossexual, é isso! Espero não ser processado pela Procter e Gramble ou Gessy Lever ou seja lá quem for o fabricante daquele famoso sabão em pó. Não quero ser acusado de depreciar a imagem do produto dando-lhe uma conotação sexual que não possui. Claro, não existe fantasia erótica com sabão em pó, existe? Também não quero ser processado por discriminação sexual! Aliás, nada tenho contra os homossexuais, juro! Tenho até uma fantasia envolvendo eu e duas garotas num ato... Esqueça isso também, não quero ser processado por difundir pornografia.

Sobre o que eu estava falando? Ah... O problema que eu tinha... Tampouco era um problema de dinheiro porque não sou assim materialista, acho que é bom ter dinheiro mas não norteio a vida por ele, que me basta é o suficiente. Isso é uma hipérbole? Um pleonasmo? Cadê minha professora de português, a Irmã Melânia?!! Nada contra os que se comprazem com o dinheiro, nem o chamo de vil metal nem judio de quem o gosta. Tira o "judio" que não pode, ainda mais em se tratando de apego a dinheiro, isso é um estereótipo claramente negativo com intenção, não intenção não, ofensiva! Significado pejorativo. Onde se lê "judio", leia-se "maltrato", OK? OK pode ou passou aquela lei que proíbe usar expressões estrangeiras? Se passou, estou frito, pois já escrevi um monte! Ah, mas latim não tem problema, né? Latim não é língua estrangeira, é morta! Com os seres humanos é o mesmo: depois que morrem, somos mais condescendentes com eles. Vamos então perdoando as línguas mortas e crucificando as vivas estrangeiras. "Crucificar" pode, né? Que não se insurjam contra mim os católicos e outros cristãos... Já troquei a referência à cruz. Fica assim: "punindo as vivas, etc..."

Sabe mais o quê, paro de escrever! Cansei de escolher e escolher palavras, fugindo de agredir minorias ou maiorias aqui, de ferir suscetibilidades, de tantas mediocridades! Se não posso usar palavras inteiras, não usarei meias palavras, pois para bom entendedor, se meia palavra vale, para os outros, melhor palavra alguma!

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