Tema 030 - EMBRIAGUEZ
BIOGRAFIA
FALOU COMIGO?
Helô Barros
E a voz dizendo-me coisas desconexas.

- Abrir a Tampa do Mundo? - questionei incrédula. Não me venha com esta. O que quer dizer com: tudo está igual mas, nada é o mesmo. Devo achar o grão que fica no vão entre duas coisas. Cortiça e vidro.

É daqui, deste canto da cidade que preciso arrancar a Tampa do Mundo. E pelo jeito, será com minhas próprias mãos; devo tirar do fundo o que todos vêem e, aguardar o desconhecido. É o que diz a voz.

- Há algum sinal mágico a se reconhecer? - pergunto. Um caduceu, uma bola de cristal, um talismã, uma pedra da invisibilidade. Não? O insondável se alimenta de disfarces? Camuflados em fatos comuns. Hum, sei.

- É deste ponto que você deve começar - diz a voz.

- Como assim? - pergunto. Tirar a Tampa do Mundo é uma grande viagem e para isso eu exijo testemunhas. Quem vai a lua tem o mundo inteiro para assistir, quem vai de navio ou avião tem ao menos os parentes acenando num até breve ou já vai tarde. Onde estão as testemunhas? Olho em torno. Ninguém. Não vou arrancar a Tampa do Mundo sem elas. Muito obrigada. Volto outro dia quando providenciarem uma bandinha, uma bandeira a ser hasteada, um repique de tambores, um sorveteiro na sombra da figueira, um treinador com seu pastor alemão, uma criança de bicicleta, um casal correndo em torno da praça e um ipê cor-de-rosa dando flor. Este é o mínimo necessário pra que eu arranque a tampa deste Mundo. Falei assim, enfezada: - Arranco coisa nenhuma e estamos conversados.

A voz impertinente insistiu, falou que era só começar que tudo apareceria: a bandinha, uma bandeira a ser hasteada, um repique de tambores, um sorveteiro na sombra da figueira, um treinador com seu pastor alemão, uma criança de bicicleta, um casal correndo em volta da praça e um ipê cor-de-rosa dando flor. Tudo isto e muito mais. Viria uma barraquinha de algodão doce e cachorro quente, uma menina oferecendo flores, um moleque vendendo água de coco e uma imagem de Santa Terezinha.

- Oh! exclamei. Se vêm tudo isto para assistir a tirada da Tampa do Mundo preciso tomar providências. Só mais uma pergunta: - Com tanta gente nesta terra de Deus, por que eu? Chamasse um político destes que adoram cortar fita ou mesmo o presidente, sei que ele está topando qualquer coisa. Não me diga que o mundo depende de mim para soltar a tampa.

Sei. Então... é só meu? De vinho português? Se abro, abro, se não abro vai ficar aí? Por que não disse logo? Tá. "Tampa do Mundo". Alentejo. Denominação de Origem Controlada. Reserva, 1996. Vou buscar o saca-rolhas. Esqueçamos o presidente e as testemunhas. Bandinha? Nem pensar, eles não saberiam apreciar uma safra de 96.

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