Tema 032 - NA CONTRAMÃO
BIOGRAFIA
INTERRUPÇÕES DO CONTRA
Maurício Cintrão
Um dos maiores problemas quando se escreve são as interrupções. Crio várias alternativas para evitar essas paradas bruscas, mas nem sempre tenho sucesso. Aqui no trabalho, por exemplo. Teoricamente, não deveria escrever crônicas. Mas não consigo resistir à tentação. Escrevo escondido.

Não que esse hábito atrapalhe a rotina profissional ou represente algum tipo de contravenção. Escrevo por aqui eventualmente. Prefiro escrever em casa, depois que as crianças dormem. No silêncio noturno os textos saem feito perfume.

Mas, como a vontade não usa relógio, sempre acontece de surgirem uma ou duas idéias de crônicas enquanto estou trabalhando. Há tempo suficiente para fazer de tudo um pouco aqui no escritório. Portanto, não tenho do que me envergonhar. Faço meus textos e vou tocando a rotina, criteriosamente.

A questão é lidar com as interrupções, como ia dizendo lá em cima. Ligações telefônicas, invasões de sala e convocações extraordinárias para reuniões são venenos para quem precisa se concentrar na escrita. Pior ainda no meu caso, visto que a maior parte de meu trabalho oficial é escrever.

Parece provocação; é só eu começar um texto e logo acontece alguma coisa para atrapalhar. Não importa se são crônicas ou cartas comerciais. Devo atrair intrusos, nessas horas. Gente que nunca vem à minha sala aparece quando estou escrevendo. Muitos são colegas queridos, pessoas simpáticas, companheiros a quem prezo muito. Mas não daria para aparecerem em outra hora? Não, não daria.

É como se eu caminhasse na contramão das vontades e necesidades dos outros. Sou um cronista de trombadas.

Você que escreve deve viver alguma coisa parecida. Quem cria, em geral, briga permanentemente contra o relógio alheio. O Nelson Lieff, artista plástico de olhar privilegiado, conta que vira bicho quando está trabalhando. Em algumas fases, fica inconversável.

Nos identificamos muito, eu e ele. Não só pelas neuras, mas pelo bom humor. Talvez pelo fato de contrariarmos a mão de direção de quem segue em volta, quando estamos juntos, zombamos de todos e de tudo. A começar por nós mesmos e nossas vidas mesquinhas.

Pois criar é um ato mesquinho. Tirando aqueles casos de criações coletivas, o ato da criação artística é solitário. Seu prazer idem. Do contrário, não haveria problemas com as interrupções. Vai ver é por isso que as interrupções me incomodam tanto.

Ô, cara, sai do meu caminho! Não está vendo que eu achei a frase que faltava? Justo agora que eu estava chegando lá? Como era mesmo?...

É! Vai fazer isso no trânsito!

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