Tema 033 - COMIDA
BIOGRAFIA
A FOME
Gesimário
Dias claros como esse são como um punhal no peito.

Recolho-me, fecho todas as entradas de luz da casa ansiando por um silêncio que não vem. Já estou acostumado a me mover na penumbra. Conheço cada objeto, cada espaço ou obstáculo da casa. Como há anos tudo está no mesmo lugar, ainda que eu fosse cego me moveria com desenvoltura no seu interior. Não tem nenhuma divisão a casa, seus cômodos são delimitados pelos poucos móveis: o quarto, por um guarda-roupa de três portas e uma cama de solteiro, arranjados perpendicularmente ao outro, formando um vão quadrado de mais ou menos nove metros quadrados; a sala, por uma mesa de madeira e a cozinha, por um armário de aço azul pendurado na parede e um fogão a gás de quatro bocas. Tinha ainda uma pequena pia de mármore no canto esquerdo, contrário à porta de veneziana cinza que dava pra o banheiro.

Abro as panelas sobre o fogão e vejo um resto de arroz cozido, três pedaços de beterraba com cenoura e um pouco de macarrão com salsicha em rodelas.

Ouço o barulho de um motor de carro, freada de pneus... vozes. Meus vizinhos voltando do trabalho para o almoço. Procuro uma fresta da janela, as portas do carro se abrem de ambos os lados, Inês desce e seus óculos escuros não a escondem de mim. Tem os braços nus, uma pequena blusa vermelha de alças finas que faz dois riscos no seu ombro. Sua pele branca brilha sob o sol. Fecha a porta do carro e permanece alguns segundos em pé olhando ao longe, vira-se e caminha para casa. Calça as sandálias brancas de longos saltos, adoráveis nos seus pés. Estava linda, mas eu sabia que havia chorado.

Havia me esquecido que largara a comida sobre a mesa. Espanto as moscas que pousaram no prato. Sento. Os ombros, a pele clara de Inês, ... os riscos vermelhos da sua blusa que já não garantia mais o sigilo do seu corpo. Vejo seus seios surgirem entre os pratos e talheres da mesa, pequenos, redondos, sobre a toalha branca manchada de comida.

Queria te aprisionar nessa mesa, Inês, pra você não chorar mais...

Seus seios deslizam sobre a borda da mesa, pousam no meu colo, abrem minha calça e meu pau endurece entre eles, tão macios, tão quentinhos, até meu leite branco escorrer sobre eles e pingar do seu biquinho róseo endurecido.

Ouço novamente o motor do carro, mas não me movo . Meu corpo frouxo, lasso, na cadeira. A comida fria, intacta, escura de moscas. A única coisa que queria era cobrir a fresta da janela e apagar o último vestígio de luz que entrava pela sala.

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