Tema 034 - LABIRINTO
Índice de Autores
Mr. POSTMAN
Viviane Alberto

Nem todo mundo é íntimo das palavras. Enquanto alguns usam e abusam, outros economizam e só as usam escritas em casos de extrema necessidade.Ela era um desses casos. Já tinha amargado por causa de um bilhete que escreveu, tempos atrás. Comprometedor o bilhete. Apimentado e, o pior, assinado. Foi uma tragédia. Pra cartinha se transformar de prova de amor em passagem para o inferno, não precisou mais do que um telefonema. Até hoje ela dorme à sombra daquele pedaço de papel. Sempre sente um frio na barriga em pensar que ele pode reaparecer um dia e fazer a vidinha tranqüila dela desaparecer.

Por isso ela não escreve mais nada. Nem Post-it. Nem conta em papel de pão. Nada.

Talvez por isso, pra confirmar que a vida não liga pro que a gente pensa, ela se cerque de pessoas que pensam o contrário. Adoram escrever. Sempre. Tudo. Nome. Data. Ela quer morrer. Quer sumir cada vez que aparece um novo pedaço de papel no meio das suas coisas. E sempre tem um novo pedaço de papel no meio das suas coisas.

Dessa vez foram três. Todos de uma vez. O ataque foi quase fulminante, mas ela ainda conseguiu ler:

Primeiro Bilhete:

Querido,

Não se afaste de mim, você tem sido meu refúgio, o tempero que dá sentido a minha vida. É gostoso saber que, quando toca o telefone é você. Suas poesias, ouvir música, sonhar... Você me olha... Eu me arrepio, meu coração dispara, meu estômago esfria. Fique por perto. Quero muito estar com você de novo. Só temos que cuidar para não ficar público, as outras pessoas não entenderiam. Além do que, algumas delas iriam se ferir. Calma.

Breve estaremos juntos. Um momento que parece a eternidade num relâmpago.

Mil beijos

Querida

Segundo Bilhete:

Querido,

Perdoe lhe escrever assim. Não saberia como dizer pessoalmente. Você tem sido a pessoa mais gentil para mim e não gostaria de magoá-lo. Mas acontece que nós devemos pôr um ponto final no nosso relacionamento, não adianta a gente ficar se iludindo, só iremos sofrer mais.

As razões não importam. O tempo irá se encarregar de cicatrizar as eventuais feridas. Espero sua compreensão, não fique magoado.

Adeus.

Querida

Terceiro Bilhete:

Olha cara,

Pra mim chega. Tô cansada dessa sua lenga-lenga. Já que você é um covarde, suma da minha vida. Me esqueça. Até nunca mais

Você sabe quem

P.S. : Saiba que o cachorro comeu todas aquelas bobagens que você me escreveu. E não me pergunte como, nem porquê. Estou muito irritada já que meu cachorro morreu.

Só pra explicar: esse derramamento de sandices aconteceu porque a Querida disse rapidamente, no corredor, para o Querido, que precisava falar com ele. Ele, cansado de implorar para que ela lhe escrevesse, resolveu o problema e escreveu ele mesmo. Ela só tinha que escolher e devolver o bilhete.

Parece coisa de criança? Pois não é. O que está escrito aí em cima é conversa de gente grande.

Bom, quase gente grande, né. Quando as pessoas se envolvem nesse louco labirinto de emoções que é a paixão, elas se esquecem da idade, da vida, de tudo.

Só não se esquecem de como é bom estar junto de quem a gente gosta e do medo que a gente sente, da outra pessoa cansar dessa vida de bandido (foge, esconde, mente) e ir procurar felicidade em outra freguesia.

Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor