Tema 035 - PARÊNTESES
Índice de Autores
O RATO
Fernando Zocca
Ele fazia parte de uma família numerosíssima. No tempo em que nascera, o ato sexual não era admitido como simples fonte de prazer. Sua função primordial era o de gerar filhos. E foi assim que seus pais conseguiram amealhar uma dúzia de belos rebentos.

Como acontece freqüentemente, a exigüidade do espaço físico que ao acumular quantidade exacerbada de pessoas, provoca conflitos diários extremamente estressantes, naquele caso não havia exceção.

Portanto para que houvesse uma vida tranqüila, dever-se-ia pensar em sair logo do local. Mas para tanto seria necessária uma fonte de sustento. Um empreguinho mequetrefe que fosse já era o bastante.

Foi com esses propósitos e intuitos que nosso amigo conseguiu um cargozinho na prefeitura de sua cidadezinha tão querida.

A boa regra exigia concurso público, mas você sabe como é, essa turma usa muito o refrão antigo "aos meus amigos tudo; aos meus inimigos a lei", e por isso, dispensava-se qualquer concurso. Bastava uma justificativa esfarrapada que fosse e tudo bem. Estavam entre amigos.

Depois então, de alguns anos de relação empregatícia, estando nosso herói com sua casa montada, casamento marcado e muitos compromissos financeiros, surgiu-lhe a idéia supimpa e revolucionária que possibilitaria o angariamento de numerário suficiente para a compra daquela tremenda televisão de 29" que ele estava desejando tanto.

Bem, como Vicente cuidava de um setor responsável pelo pagamento das empresas terceirizadas da instituição pública, a idéia era exatamente pedir valores a mais para o departamento financeiro e ficar com o troco.

Então, quando deveria pagar a uma prestadora de serviços mandava o departamento competente preencher o cheque com valores cinco vezes a mais do que o realmente devido.

O credor quando vinha botar a mão na bufunfa, notando a extrapolação dos limites do seu crédito, ficava às vezes sem saber muito que fazer. Então Vicente se apresentava como bom samaritano e colocava sua conta bancária a disposição do recebedor aflito. Dizia que quando houvesse a compensação do cheque, dar-lhe-ia o dinheiro e devolvia o restante para os cofres do município.

E assim foi durante muito tempo. Comprou casa, carro zero, chácara, roupas, e viajou até para New York.

Até que um dia, sua sogra, desconfiando da existência de alguma irregularidade, perguntou para sua filha qual era a verdade naquele caso, já que o salário de Vicente mal dava para pagar um aluguel de casa velha em bairro de classe média pindaíba. A moça que já andava nervosa com os acontecimentos e o zum-zum-zum da torcida resolveu desabafar com a mãe.

A velhota ficou indignada. E enfurecida disse que contaria tudo para as autoridades. O bafafá foi geral. Vicente atordoado chorou e pediu clemência. A sogrinha aproveitando a oportunidade pediu-lhe uma casa em troca do silêncio. Vicente se remoeu de ódio e mandou a velha plantar batatas.

Daí, meu amigo, a coisa desandou. Abriu-se CPI, inquérito policial e inquérito administrativo.

Vicente, que não era bobo nem nada, partiu para Londres, onde segundo se comenta, mantém uma lanchonete especializada em servir café capucino. Segundo dizem e fofocam, os beiços pequenos, é muito difícil dele errar no troco. E que seus borogodós são muito apreciados pelas inglesas.
Protegido de acordo com a Lei dos Direitos Autorais - Não reproduza o texto acima sem a expressa autorização do autor