O DIA EM QUE EU ME VI LOGO ALI!
Marcus Amorim
 
 
Eu percebi os primeiros sinais quando ainda estava na faculdade, cursando Física, lá pelos idos dos anos 80. Um belo dia, um professor novo me encontra na entrada do Minhocão, na UnB, e me pergunta:

- E aí, como foi lá, conseguiu a cópia do livro?

- Heeeinn? Que livro?

- Ué, você não estava agora de manhã lá na livraria?

- Heeeinn?

- Ué, não era você? Nossa, mas era igualzinho!

Então, tá. Aí eu comecei a perceber que eventualmente aquele conhecido que reclamou que eu não o cumprimentei poderia não ter me encontrado realmente. Diversas vezes me disseram que haviam me visto lá no ponto de ônibus da 16, ou em outro lugar onde certamente eu não havia estado.

Até aí, tudo bem, comecei a achar graça e até um certo conforto. Era uma maneira de explicar quando eu realmente não cumprimentava alguém, porque estava sempre com um olhar distante para disfarçar a minha enorme timidez. Com esse olhar distante eu realmente não reconhecia as pessoas na rua. Principalmente as que não eram muito chegadas. "Será que é ela mesmo? Será que ela vai me reconhecer? Será que não vou pagar um mico, se cumprimentá-la?"

E assim foi durante alguns anos a "convivência" com o meu sósia, que vez por outra dava sinais de vida no relato de algum conhecido. Continuei achando graça, até o dia em que tive que ir à 2ª DP para dar queixa de um furto. Chegando lá, estava preenchendo os formulários, quando passou um dos policiais, me olhou, parou, voltou, me encarou. Eu já estava ficando incomodado, quando ele soltou a bomba:

- Ei, você já esteve preso aqui, não foi?

- Heeeinn?

- É, você não é o fulano? Você já esteve preso aqui?

- Não, eu não, deve ter sido o meu sósia. Sabia que eu tenho um sósia? (Que babaquice, que papo de culpado!)

- Ei, sicrano, esse aqui não é o fulano? Olha só, não é igualzinho?

- É, eu acho que é ele mesmo!

- Não, não sou eu não. Olha aqui os meus documentos...

Que droga, o meu sósia andava fazendo besteira por aí. Agora não havia mais graça nenhuma. O que me servia como um álibi, agora poderia me comprometer. Obviamente, nunca mais me senti confortável em voltar àquela delegacia. Ou a qualquer outra. Quem esse cara pensa que é, pra ficar aprontando com a minha imagem?

Desde então passei a ter cada vez menos notícias do meu sósia. Tinha esperanças de que ele houvesse se mudado para outra cidade. Só me lembrava dele quando precisava ir até a delegacia. Não que eu a visite sempre, mas sabe como é. Um belo dia, estava eu indo para o meu treino, na AABB, estaciono o meu carro, desço e caminho em direção ao ginásio nº 3. Minha nossa! Por um momento eu fiquei fora de órbita, porque aquele que estava logo em frente, sentado à porta do meu ginásio, abraçado a uma mulher que não era a minha, ERA EU! ERA EU! Tinha a mesma careca, o cabelo raspado na mesma altura, o mesmo modo de se sentar e de se vestir. Era eu!

Quando me recompus do susto e pude perceber que eu não havia deixado o meu corpo, que aquele deveria ser o meu tão falado sósia, continuei caminhando desconfiado e, com aquele olhar distante, passei direto, sem olhar diretamente para ele. Pensei até na história da aniquilação entre matéria e anti-matéria ;-) Até hoje não sei se ele, ou outra pessoa qualquer, percebeu o que aconteceu. Mas agora, depois de tanto tempo, felizmente não tenho mais certeza se ele se parece tanto assim comigo.

 
 
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