O FIM DO VERSO
Alberto Carmo
 
 
Ninguém percebeu, mas desde o advento da informática, dos cérebros eletrônicos, do surgimento das impressoras, perdemos uma das coisas mais antigas que existem, o verso das folhas.

Hoje só escrevemos, e imprimimos, na frente. Deixamos a retaguarda a ver navios. Alguns loucos imprimem na frente e no verso, mas é tarefa complicada e toma alguns minutos, que na era da Internet parecem uma eternidade. Portanto, imprime-se na frente, e nem nos preocupamos com o verso. E ponto-final, na frente, claro.

A parcialidade é tanta que alguns fornecedores de papel-sulfite deixam o verso todo peludo, ao passo que a frente é lisinha. Quer dizer, além de ser deixado ao relento, ao pobre verso nem o direito de barbear-se sobrou. E justo aqui, no Brasil, onde os homens babam por um verso de mulher.

Aqui entre nós, as fábricas de celulose estão aplicando um conto do vigário, pois compramos, e pagamos, por pacotes de quinhentas folhas. Veja bem, 500 folhas são 1000 páginas, considerando-se o verso, claro. Mas a gente só usa 500 páginas, as frentes. A matemática é clara: prejuízo de 50%. Não vale dizer que você utiliza o verso das impressões antigas para fazer papel-bilhete. Duvido que você fique recortando uma A4 em quadradinhos de 10 por 10. Além do mais, a gente nunca consegue recordar no mesmo tamanho, e o maço de papeletas fica parecendo uma mulher despenteada, todo desgrenhado.

Nem vou abusar do seu senso de direção explicando que tela de computador só tem frente. Você lê tudo ali na sua cara. O verso só tem orifícios, as chamadas fêmeas da eletricidade, onde copulam os plugues. A gente só lembra do verso da tela quando ocorre algum problema. Em outras palavras, o verso ainda vira laranja, bode expiatório dos paus no computador. E só leva ferro, isto é, plugue. Deu pau no computador o verso leva plugue, isto é, ferro.

Aí eu fico pensando: - No tempo dos papiros também só tinha frente. O pessoal lia enquanto desenrolava em cima, e enrolava em baixo. Se tivesse verso teriam que inverter, e o verso teria que ser escrito de ponta-cabeça, e em ordem inversa. Isso é perseguição!

Vou explicar melhor. Imagine um papiro de 50 folhas. Seriam 100 páginas, numeradas de 1 a 100. Daí, quando você chegasse à pagina 50, teria que fazer a operação troca-troca, parte de cima para baixo e vice-versa - ainda bem que não acabaram com o versa do vice. Então, atrás da página 50 ficaria a 51, da 49 a 52, da 48 a 53, e assim por diante, até a página 100 ficar bem ali, no verso da 1. Que loucura, o escriba ia ficar vesgo!

Melhor deixar os papiros só com a frente, e o verso que me desculpe, de novo. Estou achando que essa coisa de informática é uma volta ao passado, ao tempo dos papiros mesmo.

Você já imprimiu algum livro e mandou encadernar com espiral? Já? Então sabe que livro impresso por computador a gente lê com a cabeça sempre virada para o lado direito, lendo todas as frentes - você não vai perder tempo conferindo o espaço vazio, branquela, do verso. Você passa batido, verso após verso. Parece tortura chinesa, indiferença total e irrestrita.

Se ler por mais de meia-hora, ininterruptamente, vai pegar um torcicolo. E adivinhe de quem é a culpa? Dele, claro! A culpa é do verso, que não tem nada a dizer. Fica ali, com cara de bobo, feito pastel de vento. E ainda por cima é esquerdista. Logo os versos vão criar um movimento, o dos Sem-Letra.

Ah, tinha me esquecido! Por causa da vagabundagem vazia do verso, a gente paga o dobro da postagem em todas as nossas cartas. Além de inútil, o verso parece sogra que mora com a filha: ocupa espaço, não serve para nada, e ainda dá despesa.

Pensando bem, abaixo o verso!

 
 
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