A VOLTA DE CHRIS
Fernando Borba
 
 
Quando os passageiros da Air France desembocam no saguão, empurrando seus carrinhos e cobertos de estranhos agasalhos (agasalhos! Vão ver os trinta e cinco graus que os esperam lá fora...) parecem atordoados. É o efeito da compressão, a ruptura entre a modorra no avião e o estado de alerta para o desembarque.

Epa, lá vem ela. Um enorme casaco cintilante, os cabelos revoltos, o rosto lindo de sempre. Os fotógrafos se alvoroçam. Estavam ali para cobrir a chegada do enviado de Gana, mas qual... Ela abre o casaco, sorri, aparecem as pernas deslumbrantes abaixo do Givenchy curtinho. E tinha me dito que estava feia, gorda, deprimida. Foi por isso que preparei toda a minha ternura para recebê-la. Bem, se foi brincadeira, se ela está aquela deusa ali, melhor. Os fotógrafos gastam seus filmes com ela, enquanto o enviado de Gana, ignorado, finge conversar com o representante do governador.

Vamos de carro pela orla. Eu tinha pensado em almoçarmos uma fabulosa peixada na Batida do Mar, mas ela não está vestida adequadamente: os pescadores e a turma simples do boteco vão estranhar esse vestido, esse sapato, o cabelo laranja, e tudo o mais. Vamos pra casa.

Chris olha em silêncio as velhas paredes, as estantes de livros, os corredores, o mundo antiquado e humilde que deixou para trás há dez anos. Diante do retrato de nossa filha na parede, murmura que se fosse viva estaria uma mocinha bonita - e creio ter ouvido um imperceptível soluço. Reclama do calor. Vamos para meu quarto. Tiro do armário uma grande toalha azul que comprei só para ela (era a sua cor predileta - agora deve ser fúcsia ou coisa parecida). Mostro a cesta de palhinha cheia de sabonetes, os frascos de perfume, os xampus, os cremes. Na porta do banheiro a abraço, nos beijamos, começo a tirar seu vestido, desprendo o fecho do sutiã e faço umas carícias em seus seios. Mas ela se afasta, diz que está com vergonha, expulsa-me, fecha a porta.

Vou para o outro banheiro. O jato violento da água fria em meu corpo faz explodir mil pensamentos. Não é a mesma de antes, mas que importa? Tento ser cínico e pragmático: tudo bem, não é Maria Cristina, é a Chris, e eu vou traçá-la do mesmo jeito.

No quarto, diante do espelho, ela se olha e compõe o cabelo. Abraço-a pela cintura e percorro a pele macia, seguindo as curvas do dorso, das nádegas, dos lados das coxas, até o triângulo intumescido. Ela estremece quando vou lambendo as gotinhas d'água que ficaram em suas costas. Então, como ela gostava, levo-a para a cama e inicio a Grande Incursão Mágica de minhas mãos e de minha boca no itinerário de seu corpo. Muitas vezes trocamos de posição, e deslizamos um por baixo do outro, e nos atracamos, e suas coxas apertaram minha cabeça, e a afoguei entre as pernas, e vibramos, e sufocamos, e nos engatamos, e urramos baixinho...

Quando acordo, ela fala ao telefone. Um jornalista. Ela informa o programa para o dia, fala da ampliação de sua grife, dá um release dos compromissos. Sorri muito, a todo momento sai do assunto para dizer não, não posso, obrigada, sinto muito... Já sei, o safadão a está cantando, é claro.

Chegam os carros, buzinam afoitamente no portão. Só agora noto que Chris já está vestida. Enquanto anda, explica que vai a uma reunião com empresários, que talvez me ligue à noite, que adorou tudo... Eu a acompanho até fora. Ela segura meu pescoço e me dá um beijo no rosto. Os carros não param de buzinar. Um sujeito de sandálias de vidro, enrolado num imenso cachecol, toma sua mão e a beija com estalo, o cafajeste. O sol está violento e as cigarras ciciam no alto das acácias. Enquanto embarca, ela me olha com um estranho olhar fundo, e por um instante penso que aquela, enfim, é a de antes, acuada em um mundo que não é o seu.

 
 
fale com o autor