PIPOCA
Helô Barros
 
 

Pipoca, a fox paulistinha que minha filha Fernanda ganhou no seu 5º aniversário, viveu 16 anos. Sempre alerta aos barulhos que pudessem ameaçar nossa casa ou as crianças, era ágil em alcançar alturas, entrava na casa pelas janelas. De pelagem branca manchada de castanho e negro vivia enrodilhada na almofada da sala de TV e, tinha verdadeiro pavor de trovões.

Pai,

Silêncios são necessários, sem eles não haveria música.

Quando falou do meu silêncio fiquei surpresa: É mesmo, não tenho mandado nenhum e-mail pro meu pai. Talvez seja fase, um momento de olhar para o meu próprio umbigo. Problemas graves ou sofrimentos desnecessários não sinto, vivo plenamente o que você chama de "juventude". É meu dever e meu direito. O que sei é que estou mudando de casca, de fase, de motivo, assim como a serpente se despoja da velha pele quando a nova está no ponto. Estou no ponto, ponto de cruzar uma outra linha. Para alguns digo que cheguei, para outros, que estou de partida.

Ontem levei a Pipoca para o encontro de seu ponto final. O veterinário que nos recebeu estava para me dizer: - "Agora, a senhora pode ir que tratamos disso". Foi quando insisti no meu direito de estar presente. Abracei-a, apesar do insuportável cheiro da morte que a acompanhava há alguns dias. Ela ia precisar do meu cheiro, o da vida. Encostei sua cabeça no lado esquerdo do meu peito. Esperamos a injeção. Súplices.

Pouco antes do coração dela deixar de bater, uma pulga retardatária saiu à procura de nova casa. Como eu, que quis ir até o fim para então sair à procura de uma nova morada. A vida que se desfazia nos meus braços foi levando mansamente a infância de meus filhos, a mulher que precisei ser.

Silêncios são necessários, sem eles não haveria música.

 
 
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