SUBDEUS
Luís Valise
 
 

Taí um sentimento que desconheço: perda. Jamais perdi algo. Não sei o que é isso. Desde que me conheço por gente não faço outra coisa senão vencer, conquistar, chegar lá. E não torçam o nariz nem façam essa cara de quem comeu e não gostou. Vocês não me conhecem, portanto não têm como saber do que falo. Se tiverem saco me ouçam. E pronto.

Vou passar direto pela minha infância pois não quero perder tempo com futilidades. Cresci. Sou alto e bonito. Charmoso e rico. Pra que vocês façam uma idéia de mim direi que lembro aquele ator que fazia o Indiana Jones, não sei seu nome. Com uma vantagem: minha mulher não pediu separação, a dele sim. Logo, eu devo ter um plus, algo assim indefinido, talvez um certo mistério no olhar, que cativa e ao mesmo tempo intimida.

Desde há muito minha vida resume-se a viagens pelo mundo. Depois de um certo nível você não precisa mais trabalhar para que o dinheiro entre: simplesmente não dá pra gastar os rendimentos de capital. E não confundam esse estilo de vida com vagabundagem. Isso seria uma atitude menor. Eu viajo pelos quatro cantos do mundo proferindo palestras, comparecendo a festas beneficentes, aconselhando governantes de todos os credos e tendências. Acompanhado de minha mulher e companheira, que se diverte com minha habilidade em escapar das cantadas do mulherio em polvorosa.

(Não sei se devo confessar, mas também não é tanto assim. Sempre que possível sou visitado na cama por mulheres prestativas. De alguma forma eu consigo arrumar tempo livre para isso. Ela nunca desconfiou. Além de tudo, eu sou um finório. Um Raffles. Mas sobre isso a modéstia me impede prosseguir.)

A uma única pessoa dou o direito de me contrariar: meu filho. Ele é o único com topete suficiente para pedir-me que diminua esta minha auto-suficiência, pois isto pode ser confundido com arrogância. Não lhe dou ouvidos, pois todos sabem que no fundo sou um pacífico, um simples. Se bem que com algum savoir-faire.

Agora mesmo, por exemplo, devo dar por findo este breve relato, pois que chega a hora em que receberei a visita de uma das senhorinhas que me prestam favores muito especiais... Esta é morena, traços mouriscos, mignon. Um sorriso encantador. E tem um gosto peculiar, que finjo não perceber: se me ponho quieto, olhos cerrados, como a dormir, ela às vezes afrouxa as correias da camisa-de-força. Aí está. Já ouço a chave girando na fechadura. Vou fechar os olhos.

 
 
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