NÃO VOU SUPORTAR
Luiz Fernando Kiehl
 
 
Não vou suportar quando alguém vier me dizer, com muito cuidado, que você nunca mais.

Não terei energias para repetir o que tantas vezes fiz para outros: correr atrás do atestado, mandar abrir o jazigo, comprar o melhor caixão, providenciar transporte e velório, encomendar um mar de flores e convidar parentes e amigos para uma última reunião. Também não terei coragem para escolher as suas roupas no armário, para que você possa se despedir bem vestida como sempre viveu. Para você, não. Alguém terá de fazer isso por mim.

Não vou agüentar passar a noite ao seu lado, fitando em silêncio os seus olhos fechados e a expressão de paz que tantas vezes eu vi em seu rosto, nas minhas noites de insônia. E se, no dia seguinte, logo cedo, eu tiver de sair do seu lado para tomar um banho, fazer a barba e vestir um terno passado, não vou poder voltar para um último adeus. Se conseguir, não serei capaz de assistir aos coveiros erguendo uma parede de cimento entre nós, sem tentar impedi-los. Não sei como vou receber os abraços, sabendo que a soma dos sentimentos de todos não chegará nem perto do meu.

E depois que todos se forem, cada um para cuidar da própria vida, não sei o que farei a vagar sem destino pela casa, vendo você em cada canto, sem ter com quem comentar um artigo do jornal ou um programa de televisão. E quando eu inventar uma piada, quem é que vai rir?

Sei que vou almoçar e jantar sem apetite e que, quando me deitar, sozinho, na cama que sempre nos acompanhou como um amuleto que deu certo, só vou conciliar o sono quando o dia estiver clareando. E que quando eu olhar no rosto de outra mulher, estarei sempre à procura dos seus olhos e do seu sorriso feliz.

Não, eu não vou suportar viver, sabendo que você foi embora mais cedo e que não voltará nunca mais. Você vai me desculpar, mas eu quero ir primeiro.

 
 
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