ZAP! ZAP! ZAP!
Flora Rodrigues
 
 
Cheguei a casa estourada. Estava cansada de calcorrear as ruas da cidade em busca de emprego. Queria descontrair um pouco, aliviar a minha mente das preocupações prementes do dia-a-dia. Sentei-me no sofá e peguei no comando da televisão. Quando acendi a televisão, estavam a dar as notícias. Começavam com imagens do conflito da Palestina, às quais se seguiram imagens dos conflitos entre protestantes e católicos na Irlanda. Tentando livrar-me de tanta violência, fiz "Zap" e mudei de canal. Como nos canais nacionais, os horários dos programas são coincidentes, estava também a dar o Telejornal. A notícia da altura era de uma "mãe" que tinha assassinado o seu filho de seis anos a tiro e atingido o seu filho mais velho. Meses antes eu tinha assistido à notícia macabra de uma "mãe" que afogou os seus cinco filhos na banheira um por um. Já era demais. Volto a fazer "Zap" e mudo de canal. Desta vez um canal destinado aos jovens, onde o programa que passa, são uns famosos desenhos animados onde a violência gratuita impera. Socos, pontapés, cabeças cortadas, com muito sangue à mistura, com pouca ou nenhuma história pelo meio.

Acho que o meu dedo já está treinado, mantenho o comando na mão e mudo novamente de canal de televisão. Desta vez apanho um debate político, onde os adversários quase se insultam em directo pelas suas divergências de ideias. Não mudo imediatamente de canal, mas o meu dedo, que, parece achar fazer zapping o seu desporto favorito (ignorando todas e quaisquer tendinites que daí advenham), não tem mais nada, e sem cerimónia nenhuma, num simples "zap" faz com que aqueles dois senhores, fiquem mudos. Silenciados pelo poder do meu dedo. Silenciados pelo poder dum pequeno botão de um comando de televisão.

Fiquei ali alguns minutos, a gozar o meu pequeno poder de silenciar os todos poderosos e após satisfazer momentaneamente o meu ego, "Zap" mudei de canal. Agora já com rumo definido: o Canal História da TV. Cabo. Estava a dar um programa sobre o Holocausto durante Segunda Guerra Mundial.

Zap! ... desliguei a televisão.

Fiquei em silêncio alguns momentos, pensando sobre aquelas notícias, aqueles programas. Até quando essa violência vai continuar a reinar no nosso planeta? Por que nos recusamos a aprender com a História e repetimos os erros do passado?

Até quando será legítimo de matar e morrer por terra, religião, política, ideologia, raça, cultura, crenças ,dinheiro; ou simplesmente por se ser filho ou pai de alguém que não escolhemos, que não suportava mais a vida e não tendo coragem de acabar com a sua decide acabar com a dos outros. Será assim tão difícil, viver e deixar viver, cada um com seu credo, com sua terra; com sua cultura; com sua convicção; sem que para isso tenhamos que ceifar a vida a alguém?

Será possível que a vida humana não tenha nenhum valor?

Será possível que se ceifem milhares de vidas de Homens, Mulheres e Crianças friamente, como se simplesmente se carregasse no botão e fizesse "Zap" para outro canal de Televisão?

Perante a minha impotência contra toda esta violência, tento melhorar o dia-a-dia. Tento sorrir, agradecer, ser cortês e tolerante por onde quer que passe, embora nem sempre seja fácil. Pois muitas pessoas infelizmente, acham que a agressividade e a violência são o meio mais agradável de viver. Contudo, tento que na medida do possível, exista harmonia entre os que me rodeiam. Mas sei que tenho que ter a porta e as janelas da minha casa bem trancadas, a carteira bem protegida; evitar certos caminhos; evitar certas pessoas; para que não façam "Zap" com a minha vida também.

Decido desviar a minha mente de todos estes pensamentos. Encho um copo de whisky . Ponho uma pedra de gelo. Acendo um cigarro e volto acender a televisão. Está dar um filme de "terror": "Drácula". Sorrio satisfeita. Finalmente vou conseguir descontrair. Aquilo eu sei que é ficção. Divirto-me a ver o filme enquanto saboreio o meu whisky.

 
 
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