INTOLERÂNCIA ZERO
Beto Muniz
 
 
Eu só preciso que não acabem meus cigarros. Refugiado em minha PARIS, querida, assisto pela janela que se abre a minha frente o tanto de intolerância a que os povos, mundo afora, se permitem. O fracasso da conferência sobre racismo em Durban, os protestantes de Belfast cuspindo em crianças católicas à caminho da escola, os suicidas se estatelando de encontro as torres gêmeas em New York, os portenhos famosos saindo do armário e o Mussolini ganhando um par de cornos... Opa! Desculpe-me, mas essas duas últimas não são intolerâncias. É claro que estou atento ao tema que escolhi abordar, mas não resisto em mudar o rumo da prosa relembrando a reportagem lida semana dessas numa revista Veja. Quem diria! Il Duce era corneado pela primeira dama... e sabia! Era um manso. Fico imaginando o grande ditador chegando em casa e batendo com alarde o salto das botas, lustradissímas, na madeira do piso. As famosas batidas "limpa cama" que permitem ao comborço uma fuga estratégica pela janela dos fundos.

Note como de repente os cornos do líder tem tudo a ver com o tema! Mais uma inspiração que surge por linhas tortas... Méritos dessa paz silenciosa que só o claustro em PARIS me proporciona.

Mais um cigarro vai se acabar sozinho, na borda cinzeiro, enquanto eu desenvolvo o pensamento bobo até que ele se transforme numa pensamento interessante: O homem que arrastou a Itália para a catástrofe, e terminou fuzilado no final da segunda guerra, tinha seu lado tolerante! Percebe como a história ficou mais interessante? Em meados de 1930 ser corno não era tão engraçado quanto nos dias de hoje e os poucos casos terminavam em morte, dentro desse contexto o ditador fascista passa a ser um exemplo de tolerância! Tem gente que não admite ser corno até hoje! Mata os dois... A mulher e o comborço. Que achado! Que belo exemplo de tolerância Benito nos mostra cinqüenta e seis anos após sua morte... Apesar de que sua neta, deputada pela Aliança Nacional, partido neofascista, não admite que seu avô tenha sido manso, ou seja, corno.

Não me importa, desde agora acredito mais é na filha dedo-duro, Edda Ciano, que foi quem revelou ao mundo esse lado manso do pai, que além de ditador era notório mulherengo. A história ficaria mais bela se os livros didáticos informassem que Benito Mussolini era um exemplo de virilidade e energia para o povo Italiano, mas no recesso do lar batia com os saltos do coturno no piso de madeira. Um pequeno gesto que o redime e o torna um exemplo a ser seguido diante da intolerância que hoje domina o mundo. Não?

Acendo mais um cigarro... E esse inverno tupiniquim com temperatura em 23º? Tá quente! PARIS se enche de fumaça e meus dedos e lábios se fecham em torno desse veneno cancerígeno. Preciso abandonar o vício, que além de amarelar meus dentes inibe a reprodução de neurônios. Dia desses nem o recesso e paz de PARIS serão suficientes para que minhas inspirações e pensamentos brotem tão espontaneamente quanto brotaram esses sobre Mussolini. Faltará neurônio.

Assisto pela janela do mundo, agora com 17 polegadas, e vejo que o mundo continua o mesmo: Silvio Santos vem aí, os irlandeses se jogam bostas (lembro da Geni na música do Chico), o sionismo continua com cara e jeito de apartheid e as torres gêmeas serão reerguidas. Quanto aos portenhos famosos que aderiram a modernissima onda de assumir condição homossexual, não tenho nada contra, ou a favor, só incluí a citação nesse meu texto porque me ocorre um pensamento bem mais interessante que a tolerância do Mussolini. Se toda população masculina portenha assumisse ser gay, suas mulheres (uma legião de beldades), cruzariam a fronteira para discutir comigo, torcedor da seleção canarinho, alguns métodos naturais de inseminação.

Liga não! Esse pensamento é só mais uma das inúmeras sacanagens inconseqüentes que me vem à mente quando estou recluso na minha PARIS (Pequena Área Reservada a Inspirações e Sacanagens). Sim, PARIS é mais uma maluquice... ops!, excentricidade, dessa minha cabeça pensante! Já que todo escritor de sucesso planeja ir, está ou acaba de voltar de Paris e eu não sou famoso, nunca fui a Europa e nem tenho verba suficiente para ir, decidi construir uma PARIS toda minha.

Esse espaço, que construí dentro do meu apartamento, toma metade da área onde deveria ser a copa, ou sala de jantar. Nele instalei só o essencial: uma bancada com gavetas, uma estante com luminária, um micro com monitor de 17 polegadas e internet, uma cadeira giratória e eu, o escritor! Quando entro nessa pequena área reservada a inspirações e sacanagens, só preciso que não acabem meus cigarros. De resto, o resto é um fim de música (agora lembrei do rei), "e que tudo mais vá pro inverno...". Você não leu errado, é inverno mesmo! Quem vai reclamar de um inverno com 23º? Apesar de que o inverno está no fim e na primavera pode fazer o frio que não fez em junho, julho e agosto. Também pode até esfriar, a mim, basta ser escritor e estar em PARIS! Olha eu desviando o rumo da prosa novamente! Não sei como você tolera isso...

 
 
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