ANJOS SEM ASAS
Eloi Xavier
 
 
Manhã clara sob os céus de um crepúsculo que estaria por vir. Alguns anjos caminham lentamente nas ruas de Manhattan. A penumbra envolveria a ilha em fumaças, alaridos e mortes. O mundo estarrecido assistiria uma cena apocalíptica.

A morte sobrevoa soberana, e os anjos a reconhecem. Ela vem como o vento. Não como um vento qualquer, desses que anunciam a chuva, a mudança de estação. Ela vem como uma tempestade, que quando termina arruína a lavoura.

Um vento de um deus pagão: kamikaze. Guiados por homens-bombas suicidas. E a morte tira-lhes a vida, e com eles a vida de centenas de inocentes.

Queria - pensa um dos anjos, - poder por um instante estar naquela vida, e saber as razões que levam um homem, a recusar sua própria vida, e levar consigo outras vidas.

Dádiva - completa o outro anjo, - a vida é uma dádiva. Quem a tem, preserva como um dom precioso. Não há preço.

De repente, um estrondo. Gritos ecoam por toda parte. O dia estava apenas iniciando. Os anjos teriam muito trabalho. E eles sabiam que a morte seria impiedosa. Sentiam seu odor efêmero, porém com vestígios desmedidos.

Sinais de fogo iluminam uma torre alta. Perto dali, uma estátua mantém presa em suas mãos uma tocha que grita por liberdade. Quinze minutos depois, outro estrondo. Estilhaços, gritos e gemidos. Uma torre gêmea agora também abriga a morte.

Em meio ao caos em que se segue, os anjos passeiam por outros anjos sem asas. Homens que sobem a torre à procura de vidas. Os anjos sabem que nos olhares daqueles homens pasmos e assustados, encontram-se a incerteza e o silêncio.

Uma hora depois um estrondo maior, uma torre vem ao chão. E a outra torre, meia hora depois. Agora só são escombros. E uma nuvem de pó e fumaça encobre a manhã clara.

Dois contrastes: homens que apreciam a dádiva da vida e as perdem para salvar outras vidas, e homens que menosprezam a vida, e as perdem, levando muitas outras.

 
 
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