O FATOR DEUS
May Parreira e Ferreira
 
 
Belíssimo artigo do José Saramago, O fator Deus, publicado na Folha de São Paulo, dezenovedesetembro. Está tudo lá, tudo o que eu queria escrever e, que ele mais Saramago do nunca, escreveu primeiro, De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus.

Pouco tempo se passou da perplexidade causada pelo discurso eufórico da menina seqüestrada que dizia ser o seu Deus o salvador. O pai terreno precisava do Deus dela e não do Deus judeu dele. Briga de gerações, lutas de poder, contudo existe um Deus inocente. Tira, tira o seu pezinho, põe aqui ao pé do meu, não me venha dizer que o seu deus é mais forte, mais poderoso e mais compassivo do que o meu, e assim vamos de guerra santa em guerra santa. Perdemos todos.

. . . enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Nestes tempos sombrios, pré-guerra do novo século, os ânimos estão deprimidos, calados. Expectadores de uma resposta de velho-oeste ficamos impotentes diante do anunciado aos talibanes, Queremos o chefe vivo ou morto. A seguir virá o quê.

Conheço pessoas que já compraram estoques de água mineral, leite e enlatados. Pessoas simples que cobrem suas cabeças com brancos véus e choram por suas almas. Bons tempos aqueles em que íamos à missa dominical e depois nos divertíamos com James Bond, vivendo e deixando viver.

Uma amiga me diz, Hoje não vou escrever nada, ainda não consigo. Ela está enlutada, eu pergunto, Mas não devíamos estar acostumados, não é assim desde o principio. Sim, mas nossa vida é curta, e não estivemos presentes à cerimônia.

Leio sobre os ataques de tubarões em praias brasileiras. Será que os banhistas são vistos pelos tubarões como as galinhas são vistas pelos homens. Então, por quê, consideramos que animais são máquinas assassinas e homens não. Qual o documento que nos autoriza a matar filhotes de gatos com tijoladas na cabeça, a dar tiros em pombos, a abater cordeiros e bois, sem mencionar abelhas e formigas. A cobra morde o próprio rabo, pois a morte de certos bichos é biblicamente autorizada e necessária para a subsistência do homem, de qual homem, o animal antes racional, eu pergunto. O “fator Deus”, . . . esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.

Meu Deus, todos os Seu Deus, estou enlouquecendo. Parem a carroça que eu quero descer já.

 
 
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