GERAÇÃO KITSH
Alberto Carmo
 
 
Embora a porção generosa de nossos corações nos leve a caminhos de tolerância, compreensão, bondade, e outras virtudes bem-quistas no paraíso celeste, compactuar com a imbecilidade seria, no mínimo, falta de caridade.

É sabido que o planeta passa por uma fase de renovação. E que foi dado, graças à divina paciência, ou ao saco onipotente, como quiserem, alguns segundos a mais de eternidade, para que os idiotas da última hora tivessem a chance de fazer algo que preste, ou mostrar a que vieram e para onde vão - mantido aqui o livre arbítrio, comme il faut.

Pelos padrões contemporâneos, confunde-se bijuteria com jóia, arte com artesanato, trabalho braçal com arquitetura, língua-de-trapo com literatura, obras de arte com, (sic), instalações, e por aí vai.

Pior que as ruas infestadas por marreteiros, o planeta foi invadido por um punhado de azêmolas, que insistem em vender seus sub-produtos, como uma derradeira esperança de aqui permanecer pós-mortis.

A rigor, aqui não mais mortis, está cada vez mais duro permanecer calado, feito um criado-mudo, diante de uma geração que se prolifera mais que piolho em escola estadual, ou funcionário público apadrinhado em família de empreiteiro corrupto.

Agüentar tão ignóbil presença já requer um perfil beatificado. Agora, deixá-los a seu bel-prazer, pintando, bordando e tricotando suas personalidades precocemente canalhas, são outros quinhentos.

Haveria mil razões para não dizer nada, mas bondes de motivos para lhes aplicar uma boa sova no miolo mal-formado. Algo como uma vacina, que lhes imprimisse na goela o reconhecer-se de categoria não confiável, de segunda, xepa de feira.

Invocar um pretenso sentimento de compaixão, perante tal inocência? Não, não nos cabe isso - essa santidade ainda não alcançamos. Talvez não recorrer às armas, mas lhes plantar um pingo de decência comportamental, mais ou menos explícita, visto que não sabem ler entrelinhas, é um direito, se não uma obrigação, de todos que lutam no anonimato pela preservação do bom-gosto.

Jamais vimos na história, ou na infância, tamanha plêiade de garotos e garotas, que não têm o menor escrúpulo ao utilizar meios oportunistas, anti-éticos, gananciosos e sem o menor caráter, para conseguir seus miniaturizados objetivos. Jamais uma geração agiu de forma tão tacanha, medrosa e covarde, para conquistar um espaço que nunca lhes pertenceu, como ladrões de túmulos.

É preciso cuidado para não chegar perto do barranco onde habitam, caso contrário não mais teríamos olhos para as verdadeiras jóias, obras-primas, preciosidades literárias que, como garimpeiros, custamos tanto a encontrar em nossas aventuras por becos e sebos.

Preciso seria uma varredura cósmica talvez. E talvez ela já ocorra sem sabermos.

Num mundo onde sobressaem as pedras falsas, não há de faltar lugares protegidos, sagrados pela essência, onde possamos apreciar o que houver de mais belo na humanidade passageira.

Por outro lado, corre célere uma geração renovada, preciosa, vibrante de coragem e destemor. Geração que veio balizar os alicerces do planeta renovado, que surgirão limpas das impurezas que não soubemos eliminar, por excesso de complacência.

A eles e elas, nossos filhos, devemos desde já a volta futura ao generoso astro que ora nos abriga.

 
 
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