1,5 QUILATE
Helô Barros
 
 
Água molhando os cabelos, escorrendo pelos ombros, colo, ancas, percorrendo pernas e pés para encontrar finalmente o ralo. A espuma, sempre a espuma acompanhando o movimento da esponja. E lá está, na mão esquerda o anel com um brilhante majestoso cravado em seu centro. Maravilhoso anel que ela poderia ter ganhado num setembro ou dezembro. No sonho, o presente chegou numa taça de champanhe, mais uma vez dentro d'água. Pedra e água.

Ele sempre viajava longe, longamente. E ela ficava, morta, inteira, aguardando a chegada, um eventual sorriso, os presentes. Eram os pequenos mimos que ele trazia que iriam contar da ausência, do mar e da distância, dos dedos esquecidos em nucas alheias, das noites inteiras vagando pelo quarto, pelas sombras. Enquanto esperava, ela tinha pena de si. Chorava pelos cantos, dobrava lençóis, afirmava a outrem o futuro e a fortuna de se acreditar feliz.

As viagens iam, voltavam, se sucediam. Numa caixa redonda de chapéu ela guardava as lembranças: lenços da Ilha da Madeira, uma caixa de música com delicada bailarina, um brinco de cristal de Murano, uma paisagem de gobelin. Da última viagem, o verdadeiro anel que veio pousado numa caixa de veludo vermelho, um brilhante de rara beleza. Solitário.

Ele se foi.

Os dias correram uns atrás dos outros, o trabalho, a casa, as crianças, seguindo suas pretensões cotidianas. E a água molhando os cabelos, o colo, escorrendo pelos ombros, ancas, pernas e pés, levando embora o que poderia ter restado dela.

Na realidade ou no sonho, encontraram no ralo do boxe, somente um anel de brilhante, de falsa beleza.

 
 
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