PEDRA DA LUA
Rodrigo Stulzer
 
 
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A corrida espacial e a guerra fria estavam no seu auge. Os russos já tinham ganho a primeira batalha colocando Yuri Gagarin em órbita em 1960. John Kennedy, no seu discurso de 1962, lançou o desafio: "Colocaremos um homem na lua antes do fim da década." Ainda restavam oito anos para a profecia ser concretizada.

Os engenheiros da NASA sabiam que tinham muito trabalho pela frente. Levar um homem à lua e trazê-lo de volta vivo era um trabalho que envolveria anos de planejamento, tecnologia e dedicação de milhares de pessoas. Verba era o que não faltava. Alimentada pela rivalidade com os russos, os bilhões de dólares liberados pelo congresso faziam a máquina girar.

Desde o final da segunda guerra os americanos tinham arrebanhado algumas das melhores mentes alemãs que dominavam os foguetes. Este conhecimento era essencial para colocar uma nave em órbita e dirigi-la numa viagem de alguns dias para a lua. Wernher von Braun, cérebro do desenvolvimento dos mísseis alemães V1 e V2 estava agora criando os foguetes Saturno; verdadeiros arranha-céus de mais de 100 metros de comprimento e que carregavam milhares de toneladas de combustível. Este poderio era necessário para conseguir vencer a força de gravidade do planeta e colocar uma nave em órbita.

Os sete astronautas iniciais do projeto Mercury ainda estavam na ativa, mas uma nova geração estava começando a chegar. Ao todo mais de cinqüenta astronautas estavam na NASA no final do projeto Apollo. Todos, sem exceção, tinham o mesmo sonho: caminhar pelas planícies desoladas do solo lunar. Cada um possuía qualidades únicas que os levaram a ser escolhidos para representar a elite da tecnologia da humanidade da época.

Colocar um homem na lua não era somente um feito histórico, era uma forma de mostrar a supremacia americana para o resto do mundo; provar que não existia país mais poderoso na face da Terra. Era muito importante estrategicamente que as palavras de Kennedy se tornassem reais.

Nem tudo ia bem. As primeiras missões não tripuladas, feitas especialmente para testar os foguetes Saturno começaram a dar problemas. Os foguetes conseguiam chegar em órbita, mas depois de alguns minutos o equipamento começava a sofrer uma interferência em praticamente todos os seus componentes eletrônicos. Os técnicos declaravam que a radiação do sol era a responsável por tudo isso. Protegidos pela atmosfera, não sentíamos os efeitos nocivos da radiação solar que no espaço estava se mostrando implacável.

Todos os estudos mostravam que um escudo protetor para os foguetes e a espaçonave atrasaria o programa espacial em pelo menos um ano. Além disso, o escudo era importante para o bem estar dos astronautas. Os problemas de interferência eram menores e poderiam ser resolvidos com cabos encapados. Ninguém queria que os astronautas desenvolvessem algum tipo de câncer depois de voltar da missões. O único porém é que a NASA não poderia se dar ao luxo de aguardar mais um ano para chegar à lua. O motivo era que este atraso levaria o primeiro pouso na lua para o início da década de setenta, contrariando as proféticas palavras de Kennedy.

O caso ficou tão crítico que logo chegou à Casa Branca. Richard Nixon entendia que não podia-se arriscar a vida dos astronautas, mas também não poderiam chegar à lua depois do final da década. Isso incentivaria os russos a tentar um vôo tripulado à lua, mesmo que sob condições de risco para seus cosmonautas. Atualmente os russos estavam bem mais atrasados com seu programa espacial e não tentariam pousar na lua sem antes terem testado muito suas naves, equipamentos e tripulação. Um deslize dos americanos seria tudo o que os russos desejavam.

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Derek era responsável pela filmagem de todas as missões espaciais. Conhecia todas as câmeras e lentes, filmes e exposições. O cinema sempre foi sua paixão, mas nunca conseguiu um lugar nas produções de Hollywood. Ele era competente, mas lhe faltava aquela percepção que alguns chamam de "dom". Com seu cargo na NASA acabara conseguindo realizar parte de seus sonhos que neste caso eram documentários. Com todo o furor que os vôos espaciais estavam gerando ele não estranharia que um de seus "filmes" fosse sucesso de bilheteria.

Mesmo o pessoal da produção cinematográfica era um pouco cientista. A NASA somente contratava pessoas que fossem, de algum modo, ligadas ao ramo da astronomia; Derek tinha tirado seu bacharelado em mecânica espacial. Depois de um curso de cinema em Los Angeles acabou sendo contratado pela NASA para assumir a direção dos filmes do projeto. Ele estava preocupado, pois sabia muito bem dos problemas técnicos com a radiação solar e como isso poderia acabar com os planos de chegar à lua antes do final da década. Os engenheiros trabalhavam dia e noite, estudando e dedicando-se a reuniões intermináveis para tentar achar uma solução para o problema.

O local de treinamento para as missões em solo lunar tentava ser o mais próximo do real, pelo menos na textura do terreno e na disposição da aeronave. Detalhes como cor do cenário não tinham importância para os engenheiros; Derek impressionava-se pois os astronautas treinavam tão duro que tudo parecia real; a única diferença era que eles estavam em Houston.

O problema da radiação e do final da década não saía de sua cabeça; ele também estava preocupado e tentava achar uma solução. E o que aconteceria se a chegada à lua fosse uma encenação? Ninguém perceberia a diferença. Mesmo os controladores de vôo não saberiam distinguir imagens feitas na lua de um estúdio bem preparado; pelo menos assim eles teriam mais tempo e a pressão dos russos não seria mais sentida. Afinal, eles chegariam à lua, seja de um jeito ou, se dependesse dele, de outro. Agora o problema era contar a sua idéia para o alto comando do projeto sem que eles o achassem totalmente louco.

A reunião já avançava pela noite. O desenvolvimento de um escudo para a radiação era possível; todos conheciam os rudimentos da teoria necessária mas, o problema era o tempo.

- Maldito Kennedy e sua grande boca. Por que ele não falou "no final da próxima década! - disse Eugene Kranz, chefe dos vôos tripulados.

- Encare os fatos Eugene, estamos num beco sem saída - falou Samuel Phillips, gerente do Projeto Apollo.

- Senhores! - disse Peter Frank - Já estamos nesta reunião a mais de sete horas. Precisamos chegar a alguma conclusão!

Nisso Derek respira fundo e fala:

- E que tal se fizéssemos um filme, dizendo que pousamos na lua?

Todos o olharam com um ar surpreso. Quem era aquele sujeito que sugeria algo tão maluco quanto aquilo? Vozes se levantaram na mesa e o caos quase se instaurou. Ninguém escutava o que os outros estavam falando e muitos achavam que a reunião tinha ido por água abaixo.

- Imagine, filmar tudo! Você está propondo que participemos de uma farsa, garoto? - disse Marc Phillow, diretor de propulsão.

- Estou apenas mostrando uma maneira de ganharmos tempo para desenvolver o escudo de radiação. - disse Derek. - Além do mais os russos vão perder o interesse pela corrida espacial depois que nós formos os primeiros a "chegar" na lua.

Um murmúrio começou a crescer na sala infestada pela fumaça dos cigarros. Apesar de ser absurda, a proposta era uma das únicas que conseguia atender aos objetivos do projeto: terminar o desenvolvimento do escudo de radiação e colocar um homem na lua, mesmo que fosse de mentira.

- Além do mais - complementou Derek - só precisaremos filmar a primeira missão. Até lá já teremos um protótipo do escudo de radiação que poderá ser testado num vôo não tripulado. A diferença é que somente nós saberemos que não tem ninguém a bordo...

As semanas que se seguiram foram de uma correria só. Um grande galpão que servia de hangar reserva para os foguetes Saturno foi esvaziado e estava sendo reformado. Todo o seu interior recebeu uma pintura negra. O espaço era preto como breu e o hangar não poderia refletir nada. O próximo passo foi trazer dezenas de caminhões carregados de areia vulcânica. Sua cor era próximo ao do grafite, exatamente o tom e textura do solo lunar. Uma réplica do módulo lunar já existia. Chegara a hora de contar o plano aos astronautas.

3

Neil Armstrong estava na sua sala, no Centro para Vôos Tripulados da NASA. Aguardava a chegada de seus companheiros de missão - Phill Collins e Buzz Aldrin - para uma reunião com Eugene Kranz. Kranz chegou com uma cara séria, como eles nunca tinham visto antes.

- Tenho algo muito delicado para tratar com vocês.

Os três já tinham uma noção do que Kranz iria falar. Eles sabiam que os escudos de radiação ainda não tinham sido testados. Mesmo assim eles estavam dispostos a embarcar na missão, mesmo que isso pudesse custar-lhes a vida. Anos de vida militar só tinham ajudado a aguçar o sentimento de serviço à pátria que cada astronauta já possuía. Eles quase não acreditaram quando Kranz explicou todo o plano. Eles não iriam voar realmente aquela missão. Ao invés disso o pouso na lua seria uma grande armação. Tudo seria filmado dentro de um hangar preparado para a ocasião e televisionado para o mundo inteiro. Nem mesmo o Centro de Controle estaria sabendo que a coisa toda não era real, pois o sigilo era imprescindível; quantos menos pessoas precisassem saber, melhor. Seria como no simulador, a única diferença é que eles estariam encenando tudo em um hangar a poucos quilômetros de distância da base.

O grande dia chegara. O mundo todo estava sintonizado na televisão para ver o lançamento da Apollo 11, a nave que deveria pousar na lua. Tudo estava correndo conforme o esperado. Os astronautas saíram do transporte e entraram no elevador de serviço ao lado do imenso foguete Saturno; flashes salpicaram a noite. Milhares de pessoas estavam se aglomerando para tentar ter uma visão melhor do lançamento.

O elevador começou a subir e minutos depois os três astronautas estavam dentro do módulo de comando. A escotilha se fechou com os holofotes iluminando completamente o foguete Saturno; o minúsculo módulo em seu topo era o centro das atenções. Neil deu o sinal e a escotilha abriu novamente. O encarregado estava lhes aguardando.

Um segundo elevador, fora do alcance dos refletores, tinha sido instalado. "Normas de segurança" foi a desculpa que o Kranz deu ao pessoal da manutenção. Os dois minutos e meio de descida foram os mais longos que os astronautas tiveram em toda a estada no programa. Eles não gostavam desta solução, mas ainda era a mais plausível dada à importância política e econômica caso os russos chegassem antes na lua.

Um carro os aguardava no solo. Rapidamente o veículo deixou a base de lançamento indo em direção ao sul, diretamente ao hangar que eles carinhosamente apelidaram de Hollywood.

O plano era de uma simplicidade admirável. O foguete iria ser lançando normalmente mas eles estariam numa réplica do módulo de comando onde estariam recebendo todos os dados do verdadeiro que estaria em órbita. Tudo que eles necessitavam fazer era interagir com o Centro de Controle e voar a missão como planejada. Quando o módulo de comando chegasse na órbita da lua o simulador iria passar a enviar os dados para o Centro de Controle. Enquanto o verdadeiro módulo estivesse dando voltas e mais voltas ao redor da lua, eles estariam "pousando" o módulo em Hollywood. Depois de encenar toda a exploração da lua era só decolar no simulador e "entrar" em órbita. Neste momento o verdadeiro módulo iria desacoplar o módulo lunar e iniciaria sua volta à Terra. Como uma viagem da Terra à Lua demorava cerca de dois dias, teriam tempo suficiente para que pegassem um avião e fossem lançados no mar, ao lado do módulo de comando, logo após este ter reentrado na atmosfera e pousado em algum lugar do pacífico. O plano era quase perfeito. Eles só não poderiam morrer durante a missão verdadeira, senão teriam que passar o resto da vida em algum país de terceiro mundo com uma identidade trocada...

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A contagem regressiva ocorreu normalmente e os céus de Houston iluminaram-se com as vinte toneladas de combustível queimadas por segundo pelo enorme foguete Saturno. Dentro do simulador os três astronautas recebiam os dados do verdadeiro computador de bordo e praticamente controlavam a nave à distância. Toda a interação entre o Centro de Controle e os astronautas era perfeito. Depois de onze minutos e meio a nave estava em órbita terrestre. Após duas voltas completas ao redor da Terra, Houston autorizou o disparo dos foguetes para iniciar a viagem em direção à lua.

Dois dias já haviam se passado e a hora havia chegado. Os dados eram agora enviados pelo módulo simulador e verdadeiro módulo estava agora em órbita lunar. Este seria um dos pousos mais fáceis executados por Neil Armstrong; não existiriam defeitos inseridos pelos engenheiros de testes. A desaceleração para o "pouso" foi perfeita; vinte minutos depois de iniciado o procedimento eles haviam pousado na lua. O Centro de Controle estava em polvorosa; o homem tinha pousado na lua! Todos ficaram admirados pela frieza dos astronautas. Provavelmente era porque eles foram treinados para serem duros e se concentrarem na missão.

Após ser autorizado a deixar o módulo lunar, Neil preparou-se para sair do simulador. A única coisa que Derek se arrependia era não poder usar câmeras melhores. As que foram enviadas juntamente com a nave eram em preto e branco e por causa de limitações de peso, mais simples. Neil abriu a escotilha e viu o enorme hangar pintado todo de preto. "Que desperdício de tinta", pensou ele. Olhou para o lado e lá estava Derek, acabando de arrumar a câmera, ao lado do módulo lunar. Neil lembrou-se das palavras que iria dizer e desceu alguns passos da escada.

- Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade - disse Neil olhando para Derek e mais dois de seus assistentes.

O mundo neste instante estava comemorando. Pela primeira vez um homem pisava no solo de um outro mundo; pelo menos era assim que eles pensavam. O tempo de Neil em solo lunar estava programado para um passeio de duas horas e alguns minutos; dentro do hangar seria mais que o suficiente. Neil já pensava em pedir um copo de água gelada para Derek. Aquela roupa espacial deveria ser bem confortável na lua mas aqui na Terra pesava muito.

Derek novamente viu o profissionalismo dos astronautas. Mesmo não estando realmente na lua eles executavam tudo o que havia sido programado. A primeira coisa a fazer foi recolher amostrar do solo, em caso de terem que abortar a missão. Neil pegou um dos sacos coletores e colocou um pouco do solo lunar dentro dele. Após alguns minutos também colocou no saco algumas pedras previamente escolhidas.

O resto da missão transcorreu normalmente. Buzz Aldrin também teve seu momento de glória aparecendo nas TVs do mundo inteiro. Finalizado o tempo para a permanência em solo lunar os astronautas retornaram ao módulo. A decolagem foi perfeita e ao entrarem em órbita os dados começaram a fluir do verdadeiro módulo de comando que estava dando inúmeras voltas ao redor da lua. O retorno do módulo para a Terra era um dos pontos críticos do projeto. Os três astronautas queriam acabar logo com aquela farsa. Realizaram todos os procedimentos necessários, embora quem estivesse controlando o módulo no espaço era o computador de bordo. Para eles só restava representar bem as falas e tudo daria certo.

Quando o módulo começou a reentrada na atmosfera terrestre Neil, Buzz e Michael já estavam a bordo de um helicóptero da marinha. Os dados indicavam que o módulo de comando deveria aparecer no céu dentro de poucos segundos. Uma bola de fogo foi avistada a oeste e um meteoro parecia rasgar o céu. Exatamente como planejado o módulo caiu no mar a cerca de quatro milhas de onde eles se encontravam. O módulo foi resgatado pelo helicóptero e agora estavam oficialmente voltando para a Terra. Eles tiveram que se portar como se estivessem no espaço e finalmente poderiam tomar um banho e se barbear. No espaço exíguo do módulo isso era um luxo não permitido.

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Depois de um período de quarentena puderam rever suas esposas e filhos. De maneira alguma eles poderiam contar o que realmente havia acontecido. Este tipo de mentira era daqueles que se leva para o túmulo. O mais doloroso era contar as histórias da viagem para seus filhos. Eles escutavam com os olhos arregalados e com um tremendo orgulho do pai; os amiguinhos da escola ficavam com mais inveja ainda.

Os astronautas foram homenageados, receberam uma condecoração do próprio Nixon e eram convidados para inúmeros banquetes e festas. Foram bons tempos aqueles. Tinham se tornado astros da mesma maneira que os maiores atores de Hollywood: interpretando seus papéis da melhor maneira possível.

No Centro de Estudos da Lua um outro objeto fazia sucesso. Era a primeira pedra que havia sido trazida pela Apollo 11. Outras pedras foram trazidas, nos anos seguintes, pelas missões tripuladas que realmente chegaram na lua. O escudo de radiação fora aprovado e a segurança dos astronautas estava garantida. As pedras trazidas pelas outras missões não despertavam o interesse dos cientistas e da população em geral; eles queriam ver a primeira pedra trazida da lua; a pedra que todos viram Neil Armstrong pegando pela TV; a pedra que acabou se tornando verdadeira.

 
 
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