NÃO ESPERE PELO FUTURO. ELE ACABA DE BATER À SUA PORTA COM ALGUNS DIAS DE ATRASO, MAS...
Ana Peluso
 
 
Hoje acordei com aquela estranha sensação de que o futuro existe, é inexorável e deve aparecer a qualquer instante, mostrando minha impotência diante da caminhada da vida. E futuro nunca foi uma medida de tempo que me trouxesse tranqüilidade.

O menino de cinco anos, filho da vizinha do andar de cima está em choque há três dias. Assistindo aos noticiários (pequeno ser sem vontade própria que ainda é) junto aos pais, na manhã seguinte perguntou à mãe:

- Mãe, o que é futulo?

- Futuro. Fu-tu-ro. Se diz futuro, filho, com erre, de rato.

- Ta, ta. O que é futulo, com ele de lato?

A mãe suspira, olha pra cima e desiste – afinal o garoto sequer chegou ao pré-primário.

- Futuro é o amanhã, meu anjo.

- É nada. Você ta mentindo.- e fez beiço de quem ameaça abrir um berreiro daqueles.

- Claro que é. Mamãe não está mentindo não. Amanhã é futuro. Ainda não chegou, entendeu? Tudo o que ainda não chegou pertence ao futuro.

O menino ficou pensativo por alguns segundos, os quais a mãe achou que cumprira sua missão de informar.

- Mas, mãe, o papai disse que amanhã eu ia ganhar minha caneta do Mickey e acho que ele mentiu pla mim.

- Não diga isso, meu bem. Papai não mente nunca. – disse ela, pedindo perdão a si mesma pelo horror de mentir para o próprio filho. Mas ele a perdoaria, quando crescesse e descobrisse que os homens são mais capazes de mentir do que qualquer outra coisa. – Se ele disse que você vai ganhar a caneta do Mickey, você vai

- É, mas se amanhã é futulo com ele de lato, quer dizer que não vou ganhar hoje...

- Não, meu bem, você não entendeu. Amanhã é futuro enquanto não chega... Mas já chegou! Ontem não era domingo?

- Ela.

- Então, hoje é segunda-feira. Significa que chegou o amanhã, entendeu?

- Não, mãe. Hoje é hoje. Não é amanhã.

- Mas amanhã é amanhã!

- Não, mãe. Quando chegar, você e o papai vão falar que é hoje e eu nunca vou ganhar minha caneta do Mickey...

Eu, sabendo do que acontecera – a própria mãe nos contava à porta do elevador – subo pra casa com as compras, pensando se o Marcelinho não estaria certo. O que significa que nada vai fazer com o que o futuro chegue, mas ele será notado. No caso do Marcelinho notou-se pelo ganho da caneta dos dias depois do combinado, pois o pai havia prometido, e demorara em cumprir suas palavras, por não encontrar a tal caneta do Mickey. Acabou achando uma imitação na lojinha de um e vinte ao lado do escritório.

E isso fez com que o futuro do menino demorasse dois dias a mais para chegar. E isso fez dele um ser menos crente no futuro. A mãe me disse agora a pouco pelo telefone que Marcelinho pegou a caneta, olhou bem para ela e disse:

- Você está atlasada dois dias. – e largando ela sobre a mesa da sala de jantar, emendou, olhando para o pai – E você, mentiu. Depois olhou pela janela da sala, diante de pais atônitos e emendou, filisoficamente:

- O futulo não existe, e é mentiloso.

Tenho cá pra mim que ele está certo. O futulo, digo futuro, não existe. É mentiroso, assim como a maioria dos homens e mulheres, e quando chega, parece sempre estar atrasado. É como ganhar na loteria um dia antes do enfarte, aos setenta e cinco. O que coloca toda a situação de fé em dúvida. Principalmente a cristã. Se o futuro não existe, como saber se teremos uma boa cadeira cativa junto ao criador, por méritos terrenos? Como saber se o amanhã será exatamente um hoje. Pode ser apenas um rascunho do que planejamos. Ou o nada. Penso na falta que um emprego fixo me faz... E meu futuro? Como ficarei eu sem um futuro, sem ganhos, caso algo dê mais errado do que já deu?

Ligo a TV, com um cigarro aceso entre os dedos. Noticiário das seis. O mundo e suas guerras intermináveis (o futuro constante e intermitente). Olho para o cigarro entre os dedos e lembro-me de que o médico me disse para parar de fumar, caso eu desejasse um futuro saudável. A propaganda do Free me disse, há mais de quinze anos atrás, que “alguma coisa, nós tínhamos em comum”. Acreditei no Free e no médico. E fiquei em estado de choque pelo resto da vida.

O suficiente para não me abalar nunca mais. Nem quando vejo as torres do World Trade Center serem derrubadas por dois aviões (passei ilesa por essas imagens), nem com a retaliação dos Eua, que já era de se esperar, dada a vontade incontrolável dos americanos fazerem uma boa guerra (aguardavam apenas um motivo), e muito menos agora, com uma guerra bacteriológica iminente e assustadora.

Enfim, o futuro chegou.

Tá, eu sei que esse futuro tem chegado desde que o mundo é mundo, sob várias formas. Mas dessa vez parece que está aqui de verdade. Também tá certo que pelas profecias, ele já deveria estar aqui há pelo menos dois anos, mas talvez tenha apenas se atrasado. Sabe com é, com as tarifas de locomoção aérea, terrenas, fluviais, pedágios, no preço que estão, imagina a cósmica?

Mas chegou. Estamos cheios de provas irrefutáveis quanto a isso.

O Marcelinho perdeu a ingenuidade para o resto de sua vida, mas ganhou a caneta.

Mas afinal quem precisa de ingenuidade hoje em dia?

 
 
fale com a autora