CONFRARIA DAS BAINHAS
Helô Barros
 
 

Amado Rubem Fonseca,

Li seu conto "Confraria dos Espadas", gostei, mas acho que faltou entendimento. Ficou um vazio. Foi o motivo porque resolvi escrever: vitalizar o que chamo de monotonia pontiaguda e lhe dar algumas sugestões. Você falou de duração, de gozo, de técnicas orientais milenares, de como o grupo dos Espadas se formou e o que discutem enquanto não estão aplicando os tais ditames. Hum! Me pareceu bom e fiquei curiosa para saber como tal método funciona. Longe de mim lhe fazer um convite para demonstração, falo isso porque sou uma bainha sem nenhuma moral e por isso mesmo com grande necessidade de me manter recatada. Independente de qualquer compromisso, gostaria de saber mais sobre o assunto e desfazer de vez esta noção torpe de que tudo começa e termina na ponta de uma espada.

Confraria dos Espadas. Foi assim mesmo que li. Ah é, pensei? Este negócio de confraria, sociedade secreta, mais me parece coisa de veado. Não, não me entenda mal. É que vocês adoram o que é feito escondido, talvez como única forma de colocar em evidência o que nem mesmo vocês sabem o sentido. Você deve estar pensando que sou uma daquelas feministas nojentas, mas não, a minha postura até que é bem saudável, só que é do outro lado. Quero me colocar porque sei que bainha tem uma visão mais abrangente, menos pontiaguda. Sabe como é. E não posso esquecer de um desejo antigo de me tornar personagem no seu próximo conto. O que acha de "A Hora e a vez da Bainha Matraca"?

E falando no seu conto, ficou um buraco - entenda-me como quiser. É que a conspiração era mais evidente do que o ato. Percebi no texto um desejo de sair para batalhas em terras longínquas, quando a luta e a força está grudada num papel amarelo de aviso na porta da sua geladeira ou no máximo sob seu travesseiro. As reais batalhas só podem ser travadas para e pela bainha que foi feita nos conformes e especialmente para sua espada. E lá está a briga real, o conforto total. Onde ela está? Você deve estar se perguntando. Isso eu não tenho como dizer, só peço que você a procure para o seu próximo conto. Senão vai ficar aquele tal de foge, corre, cansa para no fim acabar caindo de boca no quintal como criança que se esconde em baixo da cama depois de ter sido contrariado. E a eterna cena se congelará num corpo escultural que só será bom se alheio ou a uma pilha de revistas pornográficas trancadas no armário.

Tolos espadas, esquecem-se na adolescência. Escondem o fato que podem falhar, e que mesmo duros, em riste, o momento seguinte virá, o lugar do pouso, o descanso. E é disso que fogem, da própria evidência, do útero, da bainha inicial de onde vieram e para onde precisam voltar, nem que seja para levar mordida.

Por falar em espada, lembrei-me de Excalibur e sua bainha tecida com fios dourados dos cabelos de Afrodite. Excalibur repousa em seu invólucro antes de qualquer batalha, dorme nos braços da trama, sonha a vitória. A rainha do lago foi quem teceu a bainha como o vento tece o ar, foi a rainha do lago que forjou a espada como uma acha alimenta o fogo. Ah! Mas como a espada é majestosa! Quando vai à luta, singra o ar, separa-o em duas pares, mata e morre em busca do prazer.

Deslizei, estou para cair. Como eu, justo eu que cheguei apontando o seu erro Rubem, vou sair como uma dessas? Tentei postular importância fingindo que não ligo, mas vivo com os olhos de esguelha conferindo o estoque e o abastecimento. Para você ver, esse é um dos maiores defeitos da bainha, ficamos na defesa quando queremos mesmo é a promotoria. E viva as espadas! Que Deus as tenha e as proteja.

Desculpe Rubem, não queria tomar seu tempo. Eu nem acredito que contestei, contestei e termino numa apologia. Talvez tenha sido só para te lembrar que somos parte do mesmo utensílio, perseguimos um mistério oposto não contrário. Mistério esse que autores geniais como você, poderiam denominar de: "A Grande Arte".

Um Abraço,

HelÔ

 
 
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