A MULHER INVISÍVEL
Larissa Meo
 
 

Tudo parecia especialmente difícil naquela manhã. Sair da cama foi um Deus nos acuda. Ela, a cama, parecia estar mais aconchegante do que o normal. Depois de um trabalho mental de mais ou menos duas horas decidi que seria melhor sair da cama imediatamente. Demorei mais uns 15 minutos e então criei coragem parar trocar o meu ninho seguro por um banho levanta defunto. Bela troca! O banho parece até que foi encomendado. O simples ritual do toucador se transformou numa cena de dar inveja ao filme Psicose de Hitchcock . A Bel, minha vizinha, quase estourou a campainha para saber se eu estava bem. Tudo por causa da gritaria.

Depois de molhar todo o apartamento para atender a porta, tive ainda de explicar o motivo do meu surto para a vizinhança curiosa. Preocupada, a Bel me trouxe um floral de Bach para recuperar os nervos. Ela é gente boa, mas levemente estressada. Ela jura que o meu chilique nervoso tem relação direta e proporcional a minha fase ovulatória. Desfeita a confusão rumei para a cozinha com objetivo de tomar o café da manhã.Sem nada convidativo na geladeira para um desjejum resolvi concentrar minha energia na figuração visual.

Minha ansiedade chegou na margem de 100% quando percebi que não achava nada no armário que ficasse bem em mim. Hora eu parecia gorda no meu terninho básico. Hora parecia sexy demais para uma manhã de quarta-feira. O momento mais apoteótico foi quando vesti a camisa de cetim amarela. Estava reluzente. Tudo bem. Estava na verdade Fashion demais para o evento. Era uma simples consulta a um especialista. E aí eu pensei cá com meus neurônios e disse pra mim mesma: nada de pânico, nada de pânico, nada de pânico!

É claro que para mim não era uma simples consulta. Eu demorei seis meses para aceitar a sugestão do Roberto de que precisava de um especialista. Depois demorei mais seis meses para procurar um. Agora que marquei a consulta tinha vontade de desaparecer. Toda arrumada, eu desci até a garagem e peguei o carro. Enquanto saía do prédio fiz mentalmente o melhor caminho para se chegar até lá.

Quando avistei o prédio me deu taquicardia. O coração parecia que ia sair pela boca. Quando entrei no saguão, peguei o elevador e apertei 10° andar. Estava tudo bem fora o suor das mãos e a perna bamba. Cheguei no consultório quinze minutos antes da consulta. Um trunfo para quem vive atrasado pra tudo.Enquanto esperava a minha vez resolvi tentar relaxar prestando atenção nas pessoas que dividiam aquela sala de espera. Para despistar minha investigação peguei uma revista e comecei a folhar. Dava pra cortar o silêncio com uma faca de cozinha. Entre uma folha e outra eu olhava quem entrava, quem saia e o que estavam fazendo. Eles pareciam normais. Sabe, do tipo gente como a gente. Eles vestiam roupa do dia-a-dia como jeans, tênis, camiseta, enfim roupas confortável e nada especial. O cara que estava do meu lado direito era meio esquisito. Tinha um tique com os olhos e não conseguia esconder o nervosismo. Balançava as mãos e depois as esfregava na perna. Pelo menos eu achei alguém mais nervoso do que eu. Foi então que a porta se abriu e um homem de uns 40 e poucos saiu. Ele chamou pelo meu nome.

Sem jeito me levantei e fui até ele. Ele me convidou para entrar. A sala tinha uma decoração simples, mas agradável. No canto esquerdo um pequeno sofá me esperava. Ele disse: sente-se. Ele esperou que eu me sentasse para depois se acomodar. E então, ele finalmente perguntou:

- O que te trouxe até aqui?

- Foi sugestão do meu marido, sabe. Eu relutei para vir, mas agora que vim acho que preciso conversar.

- E você quer falar sobre o que?

- Ah, sobre tudo. Sabe, o meu marido tentou me ajudar, mas ele acha que eu preciso de um especialista. Você sabe, alguém que tenha estudado para isto.

- Sei. Mas, porque você sentiu que precisava vir até aqui?

- Eu não me sinto bem. Na verdade, eu não sei o que sinto. O tempo foi passando, as coisas foram acontecendo e os sonhos foram ficando engavetados.Sempre tinha alguma coisa mais importante para fazer. Cheguei num ponto de não conseguir mais sonhar. E agora não lembro mais como se faz. Será que isto tem jeito?

- Só vai depender de você.

- Estou me sentindo péssima. Acho que eu sou sua pior paciente.

- Não seja tão pretensiosa, eu é que sou o psicanalista.

- Tá, tudo bem. Na verdade eu me sinto invisível. Ninguém nota se eu estou ou se eu não estou. Eu posso me produzir e ninguém nota. Nem o Roberto. Minha identidade se desfez nestes anos e eu gostaria de resgatá-la. Eu não sei se é possível. Será que é ?

- Claro que é.

- Já não sei de mais nada. Não me sinto capaz. Como eu te disse me sinto invisível. Sem visibilidade e sem existência.

- Gostaria de te ver todas as quartas-feiras, neste mesmo horário para podermos conversar mais. Esta é a minha sugestão. Você quer fazer este processo?

- Não sei. Tenho outra escolha?

- Acho que não.

- Então, nos vemos na próxima quarta-feira. Sua sessão acabou.

 
 
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