MEU PROBLEMA
Mariazinha Cremasco
 
 

Vou reclamar. Vou reclamar e vou reclamar. Que resmunguem, que critiquem. Estou até o pescoço e vou reclamar. É um direito meu. Se eu ficar ainda mais quieta, vou acabar me enchendo de rugas, mais rugas. Percebo que, à medida em que não se exorcisam os demônios, os vincos surgem e ficamos com ar de gente brava. Amarga talvez fosse o melhor termo. Não quero ter cara de amarga. Não quero ser amarga. Ou será que já tenho? Ou será que já sou? Então, sugeri para mim mesma: fale, fale. Fale tudo. Mostre o que está te incomodando. Mostre o que está te deixando triste. Mas o que está te incomodando, mulher? O que está te deixando triste? O que te deixa assim tão amarga? Acho que estou brigando comigo mesma. Dizem que a gente só briga com que a gente ama. Será que finalmente estou me amando? Melhor brigar que ser indiferente. Não, não quero ser indiferente. Já chega algumas pessoas que o são comigo. Não vou me sacanear. Vou tentar ouvir o meu sentimento. Afinal de contas, não preciso dar certificado de competência a mim mesma, né? Vou seguir o meu caminho. Mas qual é o meu caminho? É como se a gente se arrumasse para sair. Quando a gente está de qualquer jeito, sente-se de qualquer jeito, compreende? Já quando a gente capricha no visual, coloca uma roupa bonitinha, passa um batonzinho, arruma os cabelos, coloca um perfume, parece que a gente assume a obrigatoriedade do traje. E a gente fica mais romântico, mais bonito, mais sedutor. E a gente fica melhor com a gente mesmo. Mas por que estou falando isso? Nem sei, mas vou continuar. A minha sugestão pra mim mesma era falar. E vou falar. Estou aqui, olhando no espelho e falando comigo mesma. Não estou gostando do que estou vendo. Talvez seja um pouco ou um muito de autocomiseração, sei lá. Será que é feio sentir isso? Queria enfiar meu pescoço num buraco, feito avestruz. A vida passa, o tempo passa e a gente percebe que fez tão pouco. Antes eu tinha o tempo. E agora? Quanto tempo será que falta para o fim? Juventude, vigor, beleza, força. Quero sorrir sempre que possível. Não quero ficar chorando como hoje. Sei que nunca é mais escuro do que a meia noite, mas sei também o quanto demora para clarear. Meu tempo está passando, meu tempo está indo. Quero abrir minhas asas feito uma galinha e acomodar todos a quem amo sob elas. Quero proteger, mas sinto que nessa hora eu preciso de proteção. Talvez amanhã eu acorde sorrindo e possa encontrar o sol. É bom mudar. E eu posso mudar. Agora posso estar triste e em questão de minutos ficar alegre. Que bom mudar de idéia, mudar de opinião, mudar de comportamento. Para isso somos loucos. Por isso somos loucos. Sempre podemos arrumar um motivo pra rir e ser feliz. Será que terei o meu motivo ainda hoje? Só espero não ser castigada e aparecer na minha porta um bom motivo pra eu ser mais infeliz. Quase como um aviso: Viu? Você era feliz e não sabia. Estou com medo de estar triste. Estou com medo de estar infeliz. Estou com medo. Estou com muito medo. Quem sabe um dia eu consiga mudar o rumo da minha vida e pare de me cobrar tanto. Viu? Falei, falei e não disse nada. Não aceitei a minha propria sugestão. Sabe quem é meu problema? Eu mesma.

 
 
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