Sou bem quisto
no prédio onde moro, não exatamente por meus méritos pessoais, tão invisíveis
aos que me cercam quanto meus defeitos o são, para mim mesmo.
O apreço que me sagram nasce dos curtos diálogos afáveis e desonestos,
onde elogio o repreensível: cortes de cabelos, crianças, cachorros e outras
abominações.
Este desleal procedimento garante-me banhos diários de sorrisos, mas também
carrega o risco da intimidade indesejada, como o de certa vizinha, que
mora com o filho desempregado.
- Bom dia, como vai! - cumprimentou-me entusiasmada.
- Melhor agora, que a encontrei - rebati, e tentei entrar no elevador.
A mão da senhora atenazou-me o braço, detendo meu movimento.
- Tenho um favor a pedir - segredou-me.
- Sou todo ouvidos - menti.
- Poderia levar meu filho à cidade? Ele tem uma entrevista hoje.
- Seria um prazer, mas...
- Ele anda com medo de sair. Está numa maré de má sorte.
- Estamos todos...
- Sendo sugestionável, ele gostaria de andar ao lado de alguém de alto
astral. Como o senhor.
Poderia dizer que tinha de ir trabalhar, mas ela devia saber que eu estava
de férias, dada a combinação catastrófica do olho mágico com a falta do
que fazer. Por minha reputação, aceitei sacrificar um trinta avos de minhas
férias, e levei o rapaz até o centro.
Era um pouco mais alto do que eu, o que não é difícil, e andava olhando
atentamente para os lados, fitando as borboletas, os gatos e a forma como
as folhas caiam. Percebi imediatamente que ele estava procurando sinais
oraculares.
A mãe não lhe fizera justiça: não era simplesmente sugestionável. Era
morbidamente supersticioso.
Para tal tipo de pessoa, o mundo possui marcas invisíveis aos humanos,
desenhadas no chão ou nas paredes, onde residem a boa e a má fortuna.
Seus caminhos são constantemente rasgados por gatos pretos, lacrados por
mariposas ou abreviados por escadas abertas.
Fizemos um caminho de desvios até chegarmos ao prédio da entrevista.
- Os candidatos estão sendo entrevistados no 1302 - disse a agradável
atendente.
Meu companheiro congelou. Nada mais fraco que um trator conseguiria conduzi-lo
ao décimo terceiro andar.
- N... não conseguirei. - ele murmurou.
- Eu o ajudo.
- É um sinal.
- Sinais... não há sinais.
- Eu os vejo, sinto-os por toda a parte, como teias que me envolvem.
Resolvi ser drástico. Não há supersticioso que, procurando um sinal nos
céus, não o encontre na própria mão. Mostrei-lhe minha linha da vida.
- Veja como é curta - apontei.
Em seguida apanhei o canivete e fiz um pequeno talho, que lhe deu continuidade.
Sangrou pouco.
- Meus sinais - complementei - desenho-os eu mesmo.
Não sei se foi por ter entendido, acreditado ou achado que eu era maluco
demais para se ter um debate racional, mas o fato é que ele foi fazer
a entrevista.
Voltou silencioso do andar fatal e acompanhou-me soturno.
Não procurava mais por outros sinais, apenas deitava olhares temerosos
na direção de minha mão ferida.
A vizinha ficou tão grata, que mandou-me um bolo, como só ela sabia fazer.
Ainda nem bem terminara de deitá-lo, incólume, ao lixo, quando ela toca
a campainha, insistentemente.
Estava em prantos, e me abraçou, tremendo. Não sabia o que fazer.
- O que houve, vizinha - acariciei-lhe os cabelos.
- Meu filho... cortou...
Sua cabeça inclinava-se para trás, o ar faltava. Ela apenas completou
a frase que começara:
- ...Os pulsos.
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