A LARÁPIA
Rosi Luna
 
 

Miríade, isso lá é palavra de começar alguma coisa. Du-vi-do que aquela sirigaita saiba o significado, falou só pra se mostrar intelectual, dona do mais vasto vocabulário, até ontem não sabia nenhum estilo e agora quer ser a deusa das águas. Meu título, ela pode até roubar, mas o nome da crônica é digna de uma medalha de menção honrosa. Duvido que alguém pense em um nome melhor para aquela ladrazinha de trófeus. Posso até ver em letras garrafais o título - A LARÁPIA.

Alguém tem alguma sugestão de quem é a vítima de hoje? Foi quando gritei bem alto "a gente precisa desmacarar essa garota" ela não devia se chamar Lara, devia se chamar larápia, é uma ladra e me roubou tudo, até meu lugar no pódium.

A vítima seria ela - a queridinha da torcida masculina, claro. A Larinha que saída do banco dos reservas, tinha virado estrela do dia pra noite. Vou contar como foi que vi a Lara pela primeira vez. Ela desfilou bem enfrente a arquibancada masculina, com um short desfiado na ponta, era tão curto, que dava pra ver as polpas da bunda dela saindo entre as franjas do curto modelinho.

Os homens derrubavam seu olhar para as pernas dela e ela sabia exatamente como mexer com eles e isso não incomodava nenhum um pouco aquela lambisgóia. Ela se fingia de sexy, mas era uma boa de uma bisca, que atleta que nada. Era amostrada toda, vivia enfeitada como uma arara colorida. Teve um dia que ela combinou a cor do maiô, com as rodinhas que dividiam as raias da piscina. Todo mundo achou lindo ver aquele maiô cinza e vermelho deslizando pelas águas, até o técnico percebeu que ela tinha futuro naquele dia e não desgrudou mais os olhos dela.

Nem te falo quando morri de nojo dela, acredita que ela sentou bem desleixada no banco dos reservas e esticou a mão, com aquela unha comprida que mais parecia de porcelana pintada de vermelho e apertou prazeirosamente um chiclete vencido debaixo do banco. Eu posso falar porque tenho inveja dela, aliás não existe mulher que não tenha inveja uma da outra. É sempre assim, rola um ciúme, do cabelo, da bolsa, da roupa, da maquiagem, do sapato, do perfume, até do namorado, sempre tem um motivo pra gente invejar alguma coisa.

A Larinha parece que estava acima de qualquer coisa, todos gostavam dela e isso me deixava tesa de ciúmes, da sua popularidade. Eu me chamo Henriqueta, sabe nome português e peguei ódio da Larinha no dia que ela falou que era fã de Frida Khalo e que eu parecia com ela. Sei que ela falou de pura maldade, querendo dizer que esse infeliz desse bigode lusitano é que parece a cara da artista bigoduda. Se eu não fosse nadadora, nesse dia tinha dado um soco nela.

Minhas amigas me falaram que devia levar aquilo como elogio, mas me tornei Henriqueta "a irriquieta" e queria tornar o nome da Lara de "a larápia". Eu que sempre fui uma nadadora de elite não me conformava, como uma nadadora da reserva podia estar melhorando tanto seu tempo e aprimorado tanto seu estilo.

Aliás, até hoje não sei como aquela gatuna, veio parar na primeira divisão. Até suponho que ela deve ter conseguido engabelar alguém, fazer alguma falcatrua. Quando ela não estava na lista das competições, ela ia lá e colocava o nome dela, era uma bandida.

Um dia teve uma caimbra e o técnico foi lá ajudar, imagina rolou até um beijo na boca. Isso não é supeito? Eu vi que ele aproveitou o ensejo e deu umas dicas "Larinha nada assim, vai peito é teu forte, esquece nado borboleta, nado costas você também leva jeito". Pronto, foi o suficiente pra desaparecerem todos os homens da terra. A Larinha só tinha olhos para o técnico. As meninas começaram a perceber que a Larinha não faltava em nenhum treino. Imagina deixar aquela espertinha mofando no banco de reservas para o resto da vida, esse era meu mais profundo desejo, mas nem conto a cara do técnico, ele não conseguia mais disfarçar.

O técnico parecia que andava afogado de amor, só enxergava a Larinha e ela foi se mostrando e nadando, nandando, nandando. E ele foi se apaixonando de um jeito, que logo ela foi parar na primeira divisão.

Então, estou contando tudo isso, só pra dizer que aquela lagartixa deslizante, roubou minha medalha. Nesse momento estou ouvindo no megafone o nome daquela monstra marinha. - Lara Silveira. Ela acaba de receber a minha medalha, está no pódim que um dia foi meu.

E eu? Estou sentada no banco de reservas e só de ódio nem fiz a depilação do meu buço, se ela me chamar de Frida, mato ela afogada na piscina. Eles passaram por aqui, a Larinha e o técnico, dava quase pra ver, coraçãozinho voando. Ele estava muito orgulhoso de tudo que ela aprendeu. Ele vai continuar ensinando novos estilos para ela nadar. Por mais que tenha ódio, tenho que confessar, ela tem talento e demorou muito tempo no banco de reservas até que um técnico lhe deu oportunidade. E ainda de quebra roubou o coração dele e o homem anda até sem fôlego, de tanto que se amam.

Tá vou ter que concordar, ela merece essa medalha e eu vou tratar de tirar esse bigode horroroso e botar meu peito pra fora. Se tem uma coisa que mata a Larinha de inveja, é ter peitos grandes. Mas juro, que nunca vi ninguém ter mais peito que ela pra infrentar a vida como uma piscina, ela mergulha e vai fundo. E ainda posa na foto e fala bonito, fala em míriade. Tenho certeza que ela sabe o significado e se não souber ela inventa um, porque ela é uma larápia.

 
 
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