NÓ NA GARGANTA
Larissa Meo
 
 
"A mulher é mulher em virtude da falta de certas qualidades"
- Aristóteles
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"O homem é homem em virtude da falta de certas qualidades como: ser companheiro, honesto, sensível, divertido e criativo. Ou seja, o homem que toda mulher sonha, a princípio, é gay".
- Maria Clara, a mulher invisível -

 Diário de bordo: "Querido amigo de todas as horas. Ainda não criei coragem para dizer ao Roberto que fui procurar o psicanalista. Hoje já é segunda-feira e na quarta tenho outra consulta. Digo ou não digo? Tudo bem, eu falo amanhã". 22:04 PM.

São 4:37 da manhã e preciso de um analgésico do tipo sossega leão, derruba paquiderme, ou coisa do gênero. As minhas costas travaram e eu estou num sufoco. Estou com tanta dor que não consigo ficar deitada, não consigo ficar sentada, não consigo ficar de pé. Acho que vou tentar andar. Tá, andar de um lado para o outro é bom, mas a área útil do meu apartamento não é tão grande assim, pôxa! O Roberto nem percebeu que eu saí da cama. Agora fiquei na dúvida. Será que ele percebeu que eu durmo do lado dele toda noite? Bom, esta questão eu resolvo depois. Não dá pra pensar em muita coisa com dor. O meu espaço mental está sobrecarregado e dei recesso para metade dos meus neurônios para evitar falência neurológica, ou melhor dizer, parar de pensar besteiras num momento como este.

E o remédio, que usei e abusei em dose cavalar, não fez efeito. São ainda 7:05. A hora não passa. Em quase três horas de sofrimento já imaginei diversas situações para aliviar meu estado. Eutanásia, tutanásia, elestanásiam. Menos o Roberto que é muito religioso e com certeza iria preferir que eu virasse orquídea pra ele regar todo dia.

- O que você está fazendo aí, Maria Clara?

- Estou esperando dar 8:00 para eu ligar para o Rui.

- Quem é Rui?

- É o meu acupunturista, Roberto Augusto.

Às 8:00 em ponto eu liguei para o consultório e pedi o primeiro horário. Depois de muita clemência pela dor alheia a secretária encaixou a minha consulta. Será que todo mundo tá com um nó nas costas? Não sou Monet, mas minha impressão é que o nó é a mais nova doença da mulher moderna. Nó nas costas, na garganta, na língua, nos ouvidos, no cérebro e sei lá mais onde. É nó que não acaba mais.

Então peguei o meu nó e fui para o médico de táxi. Cheguei lá mais torta do que quando saí de casa. O Rui, meu médico homeopata, é o homem mais holisticamente correto que eu já conheci. Tudo que é alternativo é com ele mesmo. Quando me viu o Rui disse:

- Vamos para a maca agora. Depois a gente faz a consulta. Onde dói?

- Dói no lado esquerdo do pescoço até o meio das costas. E parece que tem um nó por aqui.

- Vou colocando as agulhas e você vai me dizendo se melhora.

- Não. Não. Não. Ainda não. Não melhorou. Será que isto tem jeito Rui?

Foi então que ele pegou o meu pescoço e Cracccccccccck para o lado esquerdo e cracccccccccck para o lado direito. Eu era a própria galinha destroncada. Daquelas que a vó da gente pegava no terreiro do sítio pra fazer canja.

- Melhorou?

- Ainda dói.

E assim ele foi colocando mais agulhas, mais agulhas, e mais. Até que as minhas agulhas acabaram e aí ele partiu para as agulhas descartáveis. Era tanta agulha que de galinha eu virei porco espinho. Fiquei na maca por mais de uma hora. Deu até pra cochilar e entender como o fakir dorme em cama de pregos. O tempo das agulhadas venceu e era hora de liberar a energia do meu pescoço. Aquele nó precisava ser removido de qualquer jeito. Foi aí que a coisa entornou. As agulhas não entravam de jeito nenhum. Na verdade a minha pele cuspia todas elas, tamanha era a tensão no local. As agulhas não entraram, mas a energia foi liberada e o nó desfeito. Pelo menos foi o que o Rui me falou.

- Agora só falta um trabalho mental para você se curar. Mas o que deu em você para chegar neste estado?

- Estou numa tensão que não acaba mais.

- TPM?

- Não é só TPM. É a lava-roupa que quebra, as crianças que pegam piolho na escola e o cheque especial quase no limite. Não há pescoço que agüente desse jeito, né?!

O nó das costas o Rui desativou. Á noite me sentia bem melhor. Até virava o pescoço de um lado para outro. Tentei contar para o Roberto que tinha seguido a sugestão dele e procurado um psicanalista. Tentei várias vezes, mas não consegui. Fiquei indignada comigo mesma e pensei:

- Que tipo de mulher eu sou, já que escondo segredos do meu próprio marido. Aí eu me lembrei que há dois meses atrás eu comprei num antiquário uma cristaleira linda e a guardei na casa da minha mãe. Depois de me lembrar disso me acalmei e pensei que os maridos não devem saber de tudo que acontece com suas mulheres. Eles não iam entender metade das coisas mesmo. Já na cama, a postos para dormir eu fiz minha última tentativa.

- Sabe o que eu vou fazer amanhã Roberto?

- Nem imagino, mas queria pedir para você não soltar nenhum cheque até o final do mês. Estamos quase zerados no banco.

- Tudo bem, mas não é isso que eu perguntei?

- Você vai voltar lá no Rui, para ele consertar o lado direito do seu pescoço.

- Não seu bobo. Meu pescoço já ficou bom.

- Então me deixa dormir, porque amanhã eu tenho uma reunião daquelas com a diretoria. Eles não param de reclamar que o meu setor só dá prejuízo para a empresa. Boa noite Maria Clara.

- Mas, Roberto você não ficou curioso para saber o que eu vou fazer amanhã?

- Você vai pegar aquele emprego de professora de artes na escola aqui do bairro.

- Errou de novo. E então você está ou não está curioso para saber o que eu vou fazer amanhã?

- Você sabe que a curiosidade nunca foi um dos meus grandes defeitos, ainda mais quando estou com sono. Então, boa noite Maria Clara.

- Mas Roberto, a gente não pode conversar mais um pouquinho?

- Amanhã a gente conversa, Maria Clara. Vamos fazer um happy hour só nos dois e você me conta tudo.

- Mas Roberto...

- Boa noite Maria!

- Boa noite Roberto Augusto!

Bom. Nem tudo está perdido. Amanhã vou tirar o meu nó da garganta vomitando no psicanalista toda a raiva, frustração e angústia que uma mulher invisível pode ter. Ele que me aguarde.

 
 
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