TONS DE CINZA
J P Camargo
 
 
Um dia desses, andando pelo centro movimentado da cidade, aconteceu-me algo marcante. Eu seguia o fluxo de pessoas, tão apressado quanto a maioria delas, quando os vi, antes de qualquer outra coisa, irrompendo na multidão. Era um par de olhos verdes como jamais vira, provavelmente porque estavam voltados em minha direção, ou mais precisamente, estavam fixados no meu rosto. Só não digo que fitavam meus próprios olhos porque, na ocasião, estava com meus óculos escuros. Assim mesmo, pude ver em todos os detalhes a dona daquelas íris esverdeadas.

Quem era aquela bela garota que me olhava com tanta intensidade? Não era nenhuma conhecida, como cheguei a desconfiar, uma vez que estas são obrigadas não apenas a nos olhar como também nos cumprimentar. Do contrário, seriam conhecidas mal educadas. Mas nunca tinha visto aquela jovem antes, nem aquele brilho nos olhos correspondia ao olhar desinteressado das amigas e colegas de todo dia. Era algo diferente, que fazia bem ao ego; como poderia ser uma amiga que não estava reconhecendo, e eu não queria passar por malcriado, resolvi corresponder àquele olhar.

Naquele instante, ponderei que seria interessante cumprimentá-la ou apenas acenar. Ela não me conhece, mas para mostrar-se educada responderia ao cumprimento. Iria também parar para conversar, esquecendo-se do horário do trabalho, da mesma forma que eu faria. E, conversa vai ei vem, convidaria a linda garota para tomar um café. Claro que ela aceitaria, enquanto ouviria minhas insistências, desde então, para responsabilizar-me pelo pagamento da conta que ainda sequer tinha sido feita. Mas o melhor estaria mesmo reservado para depois do café...

De repente, quando me dei conta, aquele olhar esverdeado havia sumido da minha frente. Segundos de devaneio fizeram com que ela passasse por mim e continuasse seu caminho. Olhei para trás, desesperado, mas a moça já tinha desaparecido em meio à multidão do centro da grande cidade. O raro momento acabara, a rotina tinha retornado e o verde havia dado lugar aos inúmeros tons de cinza da metrópole. Saber porque me olhou é impossível, pois nem sei qual era seu nome ou endereço. Restou-me seguir em frente, apressado, acompanhado pelos óculos escuros.

 
 
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