A JANELA
Juraci de Oliveira Chaves
 
 
Naquela manhã Emily acordou preocupada, pensando no que teria de priorizar durante o dia. Compromissos demais não lhe permitiam fazer o que mais gostava: nadar. Imaginava–se numa enorme piscina degustando um churrasquinho de picanha regado a vinho tinto, sentindo na pele o vento frio e os olhares masculinos arrepiarem os pelos do seu modelado corpo. Mas isso era apenas um sonho. A dura realidade resumia-se em longas horas de trabalho debruçada sobre o teclado a germinar um novo livro, um novo conto, sob encomenda. Isso lhe devorava horas de vida perdida mergulhada na busca das palavras adequadas e das melhores frases.

Presa ao computador, via as páginas em ordem progressiva se acumularem. Um dia quis desistir mas não havia outra alternativa: precisava honrar com os compromissos assumidos. Novas propostas de trabalho surgiriam e mais vezes ficaria sem ver o entardecer com os raios do sol brilhando nas águas do Rio São Francisco. Apreciava este encanto vespertino. Não tinha importância: observaria dali mesmo, da janela do seu apartamento, esse fenômeno irradiante, quase que diariamente. A visão da paisagem era ofuscada pelo enorme prédio em construção que se erguia logo em frente, já habitado por alguns turistas, representantes comerciais e estudantes universitários. Nesta busca incessante do melhor ângulo deste poente mágico, mergulhou-se naqueles olhos verdes a observar-lhe sobre o umbral da janela semi-oculta pela vasta folhagem ornamental. Emily perdeu todo o equilíbrio. Podia apalpar aquela energia obsessiva de invasão de privacidade. Impulsivamente fechou a janela sem pedir licença, enrubescida pela timidez. Afastou-se excitada reagindo àqueles pensamentos proibidos à uma senhora casada. " Não sei porque a sociedade impõe barreiras às casadas" – pensava Emily.

Cambaleando voltou a teclar. As palavras sem nexo surgiram na tela do monitor refletidas em cores verdes. Reclamou: "Sai de mim tentação."

Apesar de todos os esforços retornou ao quarto, abriu a fresta e sorrateiramente, espiou: só a folhagem embalava com o toque do vento. Na janela em frente, escancarada, um convite ao beijo oculto, silencioso...

Um sentimento de solidão enuviou seu ser deixando-lhe completamente estagnada. Precisava reagir contra essa catalepsia.

Decidida, prometeu a si mesma afastar-se daquela janela pecaminosa. Foi neste ângulo de 90° que deparou com aquele par de olhos, deslizante, acariciante, sinalizando um interesse devorador acompanhado por um sorriso matreiro, sobre uma outra janela paralela. A toalha azul enrolada no pescoço contrastando com a cor dos cabelos negros revoltos e molhados, revelava que a água deslizara sobre aquele corpo másculo bronzeado.

Chateada consigo mesma por ter deixado escapar o segredo só dela, prometeu mudar de quarto. E mudou-se...

Emily dedicava todo seu tempo ao trabalho. Procurava não lembrar dessa tentação vertiginosa. Dias depois recebeu um e-mail dizendo: "não precisa mudar de quarto. Só desejava aumentar meu ciclo de amizades. Sou gay."

- Humm! Será que todos olhos verdes são gays?

 
 
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