JANELA D'ALMA
Larissa Meo
 
 
"Eu acredito no nó indissolúvel do casamento - desde que ele seja bem
atado num contrato de comunhão de bens."
- Maria Clara, a mulher invisível -

Diário de bordo: Ainda não consegui falar para o Roberto sobre o psicanalista. Tenho consulta amanhã às 10:00 e estou cheia de dúvidas, ou melhor, cheia de nós. Acho que estou precisando de um sinalizador para maridos desligados e andei pensando nos modelos do tipo moreno, alto, bonito e de olhos verdes faiscantes. Para bom entendedor seria o bastante pra ficar com um elefante atrás da orelha. Só tem um problema: onde é que eu vou encontrar esse deus grego? Bom, por enquanto é melhor seguir o conselho de Scarlet O'Hara - que jurou para si mesma enquanto segurava um rabanete - "afinal, amanhã será um outro dia". Os meus pepinos também vão ficar para amanhã. 23:17PM

Saí mais esquisita da sessão com o psicoterapeuta do que quando entrei. Ele me fez pensar em coisas que até então estavam esquecidas na minha prateleira mental, deixadas de lado por falta de espaço e de tempo. O tempo é como o vento, passa voando e a gente também passa. Ou melhor, vira uva passa. O que você faz para você? Ele me perguntou. A pergunta dele soa dentro da minha cabeça como um eco. Ela vai e volta em ondas e até agora não consegui formular uma resposta convincente para mim mesma. Enquanto refletia sobre a questão resolvi ir ao supermercado abaixar um pouco a minha ansiedade.

Por incrível coincidência encontrei entre as prateleiras de biscoitos e pães a Denise, uma velha amiga da faculdade. Ela parecia ótima, mais bonita e interessante do que na época em que vivíamos em república e tomávamos sopa de pacote em xícara. Num primeiro momento tive de administrar, além da surpresa do encontro, a eterna confusão que faço com o nome dela. É que toda Simone eu chamo de Denise e toda Denise eu chamo de Simone. Uma falha mental sem justificação. Encontra-la depois de 10 anos e ainda acertar o nome dela seria bom demais pra uma manhã de quarta-feira. Então, sem saber até agora, se ela era Denise ou Simone engatamos a conversa assim:

- Nossa como você está mudada Maria Clara!

- Pois é... (respondi sem jeito) e você também Denise.

- Ah, o divórcio mexeu com a minha auto-estima e para que eu não afundasse tive de dar uma guinada em minha vida. Hoje sou vegetariana, malho todos os dias na academia e arranjei um namorado seis anos mais jovem que eu. Estou superfeliz!

- Não precisa mais me matar de inveja Simone, dá pra perceber que você está ótima.

- E você? O que você anda fazendo por você?

- Sabe Denise, você é a segunda pessoa a me perguntar sobre isso hoje e ainda não tenho uma resposta.

- Você precisa se cuidar mais. Por que você não faz ginástica? É ótimo! Te dá pique, alto-astral e um corpo sarado. E os homens passam a olhar pra você, viu.

- Vou pensar na sua sugestão com carinho Denise.

Depois de muito blá blá blá, troca de e-mails, de telefones, e de promessas para combinarmos um almoço cada uma voltou para sua vida. Eu pensei, pensei e pensei e cheguei a conclusão de que realmente mudei . E penso pra melhor. É claro que o meu visual não acompanhou o meu estágio mental. Estou mais madura do que há 10 anos atrás, sem dúvida. Mas, também estou mais gorda do que há 10 anos atrás. Sem dúvida! Sem consegui responder a pergunta da minha ex-amiga Simone Denise decidi evitar futuros constrangimentos. Minha mente e meu corpo foram direto se matricular numa academia de ginástica perto de casa. Eu precisava provar para mim e para os outros que eu era capaz de fazer algo por mim. Tinha virado questão de honra.

E foi assim que aconteceu. No dia seguinte lá estava eu de roupinha colante no corpo, tênis e rabo-de-cavalo. Estava ridícula e ainda tinha a impressão que a academia inteira estava olhando pra mim e meus quilos extras. Aí eu respirava fundo e dizia pra mim mesma "você não vai desistir, vai?" Só depois de três dias é que me tranqüilizei e entendi que as pessoas que freqüentam academias são tão narcisistas que só olham pra si. Já no quarto dia não conseguia esconder o desejo de conseguir 1002 resultados rápidos e rasteiros, porque o tempo para a mulher de 30 e poucos urge. Decidi então fazer uma aula experimental de Spinning, pois a modalidade é o desafio da moda.

Todo moderno que ser preze faz Spinning, ou pelo menos finge que faz. Sua prática desenvolve força, velocidade e resistência ao som da melhor música Celta, aquela que acompanha batizado, casamento e enterro, enfim, qualquer festividade de gnomo. Decidida a ser moderna e magra entrei na sala de bicicletas para o que der e vier. Dei de cara com Adônis, um deus grego vindo diretamente do Olimpo para o mundo dos mortais. Belisquei-me, doeu e fiquei roxa. Ele era de verdade, com aqueles cabelos negros e olhos verdejantes de Chico Buarque.

Aquele colírio para os meus olhos cor-de-mel era o motivo que faltava para fazer da ginástica uma religião. Ali eu encontrei inspiração de sobra e comecei a pedalar como uma louca sobre a bicicleta estacionária. Para acompanhar Adônis valia tudo. Afinal, aquele deus grego não podia ficar sozinho em suas viagens. A partir daquele dia o meu olhar passou a vaguear através da janela d'alma de Adônis e isso me fez sentir vontade de fazer muito por mim. Dia após dia nossas escapadas incluem visitas a vales, florestas e montanhas, terras imaginárias onde nossos amigos gnomos habitam alegremente.

Pode até parecer piração da minha cabeça, ou coisa de quem não tem nada pra fazer, mas num mundo cético, cheio de tecnologia e pessoas de pedra que acreditam na força, não do amor, mas do poder, prefiro acreditar em gnomos e viajar nos olhos de Adônis. E para meu alívio amanhã vou poder responder ao psicoterapeuta que eu faço algo por mim sim.

 
 
fale com a autora