ISABELA ACORDA E CHORA
Marco Aurélio Brasil Lima
 
 
- Qual a cor dos teus olhos? ela perguntou.

- Meus olhos são da mesma cor dos teus - ele disse depois de algum tempo, e ela sorriu.

Claro. Ele tinha mesmo voz de olhos verdes. Ele era alto. Ele falava "oi, Isabela" de um jeito diferente e ela sempre ruborizava. Não saberia definir isso assim, claro, só sabia que sentia um calor intenso na face. Não sabia que isso era visível. Mas ela abria muito os olhos de que tanto se orgulhava, e perguntava, antes de sair da escola, se estava arrumada, se os cabelos estavam em ordem, se a roupa.

Ela sempre voltava para casa pensando nele. Na última terça tropeçou na guia da esquina do açougue, imagina! Passou ali duzentas mil vezes sem jamais tropeçar! Cabeça na lua. Nele, aliás.

É que nos últimos tempos ele vinha se aproximando mais, puxando conversa, se oferecendo para atravessar a rua com ela. Nesse curto trajeto de atravessar a rua, de esperar o ônibus com ela, ela, nos últimos dias, não escondia mais nada. A cegueira na primeira infância, a frieza da mãe, o abandono do pai, os desejos de longo prazo, professora com três filhos, a forma como imaginava o mundo. Ela sentia seu hálito quando ele dizia: "nossa!" ou "pomba, que barra, menina!", ou ainda "você é mesmo muito forte", e ela gostava. Sentia que uma coisa muito, muito boa estava pra acontecer. Era uma expectativa sufocante, sentia suor nas palmas das mãos, e os pelos da nuca se eriçavam.

Ela já estava dentro do ônibus, quando ele terminou:

- É bom ter olhos castanhos, porque dependendo do jeito que o sol do poente bate, a gente fica com olhos cor de mel! Como esses teus, agora, Isabela.

O ônibus arrancou e ela ficou ouvindo aquilo ainda um tempão. Pensou na mãe. Achou o mundo lá fora ainda mais escuro. O tipo de escuridão que deixa a gente assim com medo de pisar.

 
 
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