SUBLIMINAR
Alberto Carmo
 
 
Perdera-se dos companheiros fazia algo como um dia e meio - já havia perdido também a noção do tempo. A paisagem era constante - areia, deserto.

Pela posição do sol sabia que pouco faltava para o meio-dia. Arrastava-se pelas dunas, deixando um pedaço da roupa ressequida aqui e acolá. A pele do rosto estava áspera, areosa. As mãos, inchadas, mergulhavam no mar movediço a procura de alguma tração que o levasse centímetros adiante.

Quando deixava o rosto cair sobre a areia, a pouca umidade que ainda lhe restava na boca era sugada pelos grãos sedentos - sentia a língua pegajosa, extinguindo-se em gosma grossa, saturada daquele pó impiedoso.

Sede, sede... Aquilo lhe martelava o pensamento sem parar. Tentava engolir o ar, mas este lhe vinha abafado, como num bafo inerte a lhe queimar a garganta. Chorava um pranto seco, de olhos embaçados, ardendo-lhe a visão ofuscada.

Teimava em levar o cantil à boca, à espera de que o socorresse pelo menos uma gota restante, uma gota final, que aliviasse aquela sede carrasca.

- Uma gota! - pedia. Uma gota! - bravejava, esmurrando em direção ao céu. O metal aquecido do cantil queimava-lhe ainda mais os lábios - sentia a pele grudar e ser arrancada de um só golpe. A dor fazia com que gritasse, e caísse numa tosse abafada em seguida, rasgando-lhe o peito sedento.

Caiu inerte, tentando respirar. O ar quase não o alcançava. Lutava com todas as forças, sugava o nada. Sufocava-se aos poucos, sabia-se morrendo. Tinha espasmos de desespero, socava os punhos contra a areia: - Uma gota, uma gota! - já murmurando em febre.

Viu-se, já morto, em vasto lago refrescante, límpido. Quis correr, mas não se movia sequer. Algo havia a lhe prender as pernas. Ordenava que andassem, mas não se mexiam.

Olhou para o alto e viu ao longe uma espuma esbranquiçada, espalhando-se como nuvem líquida. Ergueu mais os olhos, e vislumbrou uma grossa cachoeira, gotejando volumes de líquido transparente. Estendeu as mãos, mas não alcançava aquele fluxo caudaloso. Imaginou-se imerso na torrente generosa. Via-se de rosto erguido, lábios escancarados, recebendo jorros refrescantes.

Súbito, sumiu-lhe a visão. As mãos raspavam em pedras pontiagudas, sangrando-lhe os dedos, secas, ferventes. Deu um grito de dor!

Agarrou-se pela garganta, apertou decidido - mais forte, mais forte. Finalmente o ar extingüiu-se-lhe.

Ergueu-se num desespero final e abriu os olhos. Sonhara! Levantou-se da cama suado, boca seca. Foi até a cozinha e abriu a torneira. Girou tudo que pode, e ficou a observar a água fluindo livre, repicando na pia, flechando-lhe uma saraivada de minúsculas gotas. Prolongou aquele momento o quanto pode, e depois beijou, longamente, com a boca sedenta, a coluna líquida que descia intermitente.

- Uma gota, uma gota! - repetia murmurando, enquanto sorvia em beijos sôfregos...

 
 
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