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FOI ENGANO
Eduardo Loureiro Jr.

Ernesto era um cara tranqüilo, vivendo um casamento tranqüilo, lendo tranqüilamente um livro na cama ao lado da esposa, quando o telefone tocou.

- Alô - ele atendeu.

- Não diga nada - a voz de uma mulher ordenou.

- Quem está falando?

- Não fale. Se eu continuar ouvindo a sua voz, acabo não falando o que tenho pra falar.

- Mas...

- Sim, eu sei que você a ama e que não quer trocá-la por mim...

- Acho que...

- Mas eu não podia deixar de te dizer que te amo e sempre te amarei, onde quer que eu esteja, aqui ou na Austrália, no céu ou no inferno.

- Vou deslig...

- Por favor, não! Eu preciso de você nesse momento. Você, mesmo sem me amar, é a única pessoa com quem posso dividir o que estou sentindo.

- Minha s...

- Ah, como eu queria ter ouvido isso antes: "Minha Selma. Minha Selma, eu te amo". Mas agora eu não acredito. Você diz que eu sou sua apenas para me consolar. E eu sei que sou sua, mas você não quer que eu seja sua, então não precisa me chamar de sua. Eu só quero o seu silêncio...

Ele, tranqüilo apesar de tudo, ficou um segundo em silêncio. Tempo suficiente para ouvir, do outro lado da linha, a explosão, o tiro, o tombo do corpo no chão, o baque do aparelho de telefone caindo sobre um osso qualquer.

- O que foi isso, Ernesto? - perguntou sua esposa, assustada com o ruído e com o movimento brusco que ele fez para afastar o telefone do ouvido.

- Foi engano - ele tranqüilamente respondeu ao desligar o telefone.

*

No dia seguinte, quando ele ainda estava dormindo, o telefone tocou novamente. Era a polícia. Fez algumas perguntas e pediu que ele comparecesse ao distrito policial.

Ele foi. A mulher o acompanhou.

Na delegacia, perguntaram por que a vítima, a suicida, havia ligado para ele.

- A culpada foi ela mesmo. Eu não a matei, ela se matou - Ernesto argumentou tranqüilamente.

- Mas a família da vítima é uma pessoa muito influente, se é que o senhor me entende, e pediu com alguma ênfase para que a gente investigasse o caso - explicou o delegado.

- Foi apenas engano - ele tranqüilamente concluiu.

O delegado então apertou o play de um velho gravador, e Ernesto e sua esposa puderam ouvir a gravação da conversa telefônica da noite anterior.

O suspeito não perdeu a tranqüilidade:

- Já disse: foi engano.

Cheio de suspeitas mas sem nenhuma prova definitiva, o delegado disse que as investigações continuariam e que Ernesto evitasse deixar a cidade.

*

De noite, na cama, ele continuava tranqüilamente a leitura do livro enquanto a esposa choramingava e se lamentava:

- Eu não esperava isso de você, Ernesto. Eu pensei que você me amava, que eu era a única...

E ele, sempre tranqüilo, respondia:

- Foi engano, meu amor, foi engano.

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