SAUDADES DO VERÃO
Roseli Pereira

Ainda bem que já estamos em fevereiro. Eu não agüento mais trabalhar nesse frio.

Os dias têm sido maravilhosos, e só de olhar para toda aquela claridade sinto uma vontade quase indecente de vestir uma blusinha sem mangas, uma saia gostosa e de calçar minhas sandálias. Mas sei que não vai dar. Perdi de novo o verão brasileiro e, apesar da camiseta grossinha, do casaco, da calça de lã e dos tênis de couro, estou gelada até os ossos.

Meus dedos, às vezes, chegam a endurecer. Pensei até em um par de luvas, mas acho que pra digitar seria ainda pior. O cachecol estou usando. Depois daquela travada no pescoço que deixou até o meu maxilar dolorido, nunca mais abandonei. E, lá pelas três ou quatro da tarde, coloco o capuz do blusão de nylon, que o meu couro cabeludo também não agüenta, não.

E você aí, lendo tudo isso de camarote, deve se perguntar: se está tão ruim pra você, por que não abandona tudo, pega o primeiro avião e volta pra casa, onde o clima é tropical?

A resposta é muito simples: não estou no hemisfério norte coisíssima nenhuma. E muito menos no pólo sul. Estou em São Paulo, mesmo. Mas convivo com uma porção de homens viciados em ar-condicionado. Valha-me Deus.

De novembro a maio é sempre assim: saio de casa em pleno verão e chego ao escritório no auge do inverno. Direto do forno para o congelador. E olha que eu nem sou de material refratário. Fazer o quê?

Aí, sentada diante de uma enorme janela que se debruça para o sol, vou congelando enquanto escrevo. Se abro a janela chove aqui dentro. Porque as saídas de ar ficam no teto e aquilo logo começa a condensar.

Pra não inundar o fruto do meu trabalho e nem causar curto-circuito, conto os minutos até a hora do almoço. É quando eu desço correndo, sem tirar a blusa de lã: descobri, na pele, que o meu tempo de degelo é muito maior que o de um frango da Sadia.

Atravesso a rua, entro no restaurante e todo mundo fica achando que eu uso drogas injetáveis. Também, sempre de braços cobertos mesmo nesse baita calor... Engulo alguma coisa depressa e volto, na esperança de acabar logo o trabalho e sair para o verão. Mas isso nunca acontece, e eu continuo congelando pela tarde adentro. Inclusive nos automóveis, salas de cliente e de fornecedor.

Ou eu estou muito doente, ou os homens desta terra entram na menopausa a partir dos 25. Não, não me corrija: eu escrevi menopausa sem intenção de dizer andropausa. Porque, até onde a minha limitada vista alcança, andropausa não faz homem nenhum passar por crises horrendas de calor.

Antigamente eu dava um desconto. Era uma jovem inocente e pensava que a culpa era do terno e da gravata. Não que eu já não achasse absurdo alguém usar terno e gravata no nosso verão.

Hoje em dia não desconto mais nada. Compro antialérgico por quilo e boto a culpa no engenheiro, no arquiteto, no eletricista, no dono do botequim do lado, no borracheiro e na falta de educação.

A situação chegou a tal ponto, que a minha maior fantasia é que uma mulher friorenta assuma o Ministério da Saúde e proiba de vez o excesso de refrigeração. Mas como isso nunca acontece, vou perdendo meus verões. E sentindo saudades do tempo em que ar-condicionado era uma coisa tão cara, mas tão cara, que qualquer um tinha a chance de sentir calor. E rindo muito só de imaginar o que seria desses homens, se eles fossem parar bem no meio do inferno. Que Deus me perdoe, e a eles também.

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