JOGOS DE GUERRA
Alberto Carmo

A batalha estava na fase mais sangrenta. Os alemães pareciam imbatíveis no alto da colina. A casamata cuspia riscos de fogo como dragão impiedoso. Arrastavam-se poucos centímetros, a derrota se anunciava...

Na praia, em elegante chalé, o garoto comandava a batalha interplanetária. Fazia explodir naves negras a cada pressão no laser. Voava rasante sobre o inimigo, e despejava bombas pulverizantes, que deixavam sobrar tudo, menos a vida. Os depósitos eram preservados do veneno, os corpos eram transformados em pó inofensivo.

- Cem pontos! Matei quinze inimigos e ganhei dois depósitos de água fluidificada!

A mãe sorria ao ver o filho na máquina da vitória. Acompanhava-lhe o progresso, enquanto preparava a porção de proteínas. Seguia na tela a ordem das cápsulas: duas verdes, uma azul, três rosas. Misturar no vaporizador. Injetar na quarta vértebra...

A tropa era composta de jovens na sua maioria. Garotos imberbes, tolhidos de surpresa pela guerra, mal atingida a maioridade. Adultos feitos às pressas, com pouco tempo para aprender sobre ódio, morte e crueldade. Recém saídos dos jogos da infância, recolhidos em quartéis e levados às praias cortadas por arame-farpado.

Jogados ali, sem pais, sem país, ao sabor das ordens de um sargento rude, e um tenente que poderia ser um tio. Rezavam às mães em silêncio, temerosos dos atos covardes, que não existem em guerreiros intrépidos.

Na distância dos continentes, as mães rezavam noite e dia. Partidas no peito pela adaga intolerante dos canalhas, que lhes arrancaram os seres paridos sem compaixão, à guisa de heroísmo falacioso. No lar carinhoso, mantinham fotografias em pequenos altares, onde deixavam flores aos anjos que talvez não mais voltassem...

O filho entrou em breve torpor. Delicada, a mãe o colocou na câmara de crescimento. Acendeu a luz de diamante e fechou a tumba transparente. Voltou ao descanso na sala de projeção mental. Colocou os terminais de volta nas têmporas e fechou os olhos. Via uma edição telepática de epopéia do passado, antes do descobrimento da energia fluida...

No terreno empastado, como vermes entre espinhos, vomitavam ao ver cada corpo varado por projétil rasante, abrindo-os vivos como legista frio a calcular os detalhes da morte próxima - morrem sempre cruelmente os heróis, sobrevivem os covardes. A máxima enganosa, só mais tarde substituída pela guerra limpa.

O mais jovem entre eles não suportou a tensão. Abriu os braços, como piloto da Luftwaffe inimiga, e voou rumo à casamata. Foi cravado de balas, pousou um instante no ar, e deitou de costas nos espinhos de aço.

Na terra longínqua, a mãe teve um sobressalto. Foi até o altar e se ajoelhou, implorando proteção de Deus...

A mãe sentiu um arrepio. Sabia o que fazer nessas horas. Interrompeu o pensamento e abriu a pequena valise que trazia à cintura. Dela tirou uma pastilha e a colocou sob a língua. O efeito foi rápido, voltou à leitura neural...

O amigo, o único amigo que fizera no exército, arrancou-o do tufo de arame. Estava consumado. Arrastou-o até o abrigo de um monte de areia. Fez breve castelo, cavou ao redor largo fosso onde depositou-lhe a identificação. Buscou na areia uma concha, que pousou em proteção do minúsculo porta-retratos de ouro. Desenhou uma cruz na areia, onde deixou-lhe cair a mão desfalecida.

Ela conteve o peito, ergueu-se da prece, foi até a gaveta do criado-mudo e apanhou uma vela. Colocou-a em pequeno castiçal de prata, acendeu-a, e depositou ali a correntinha de ouro que o filho lhe deu antes de embarcar...

Ouviu na tela o aviso. Correu até a câmara e retirou o filho. Estava crescido, mais forte. Sabia que a cor arroxeada sumiria pela manhã. Mas a impaciência de mãe a atormentava. Cerrou a cortina púrpura, onde nada penetrava. Desceu o uniforme-prata até a cintura, apertou o seio e colheu uma gota de leite no dedo esguio. Gotejou-a na boca do filho e se deitou tranqüila na câmara dos sonhos...

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