QUE ME CHAMEM DE FEIO
Luís Augusto Marcelino

Não dá pra escrever um texto simpático em vinte minutos. É o tempo que tenho para escrevê-lo, revisá-lo, tentar acesso à internet, essas coisas. Não vou ser simpático hoje. Há muita coisa para falar, mas não sei ao certo o que dizer. Posso falar da onda de seqüestro, da Roseana, do Serra, do Lula, deles todos. Como ser simpático? Não culpo o Brasil, esta terra abençoada. Acho que nós, brasileiros, nos cercamos no nosso mundo e condenamos o país a ser o lar da corrupção e das injustiças. Como se o Primeiro Mundo fosse primeiro mundo em tudo. Não é, tenha certeza. Vinte minutos. Apenas vinte minutos... e se der pau no computador ou na conexão? Vivo afirmando que há duas coisas certas na vida: a morte e o fato de que, quase sempre, quando o sujeito mais precisa da tecnologia, ela dá pau. Se não der, peço clemência à Anna Christina e tento publicar amanhã. Dizem que eu sou simpático.

Assisti um filme com o Michael Douglas chamado "Um dia de fúria". O sujeito vê-se preso num engarrafamento, o carro pifa, não consegue tomar uma coca-cola porque o comerciante estrangeiro não está com boa vontade de lhe fornecer o troco, outras tantas coisas. Ele - o personagem - até que quis ser simpático. Mas, diante de todas as intempéries, o cara se transforma num neurótico incontrolável. Para piorar, não pode ver a filha, porque a mulher assim não permite. Estou me sentindo como o personagem do Michael Douglas, exceto pelo fato de eu ter apenas 1,68m, não ser loiro e não ter roçado a Sharon Stone. Hoje foi um dia ruim. Um dia daqueles. Um dia de cão, como passou o Al Pacino ao decidir roubar aquele maldito banco. Dias piores virão, eu sei.

Dizem que sempre trago um sorriso amargo nos lábios. Pode ser. Tenho vontade de sorrir, mas falta incentivo. A restituição do IR não veio, estou precisando da grana, causa nobre, mas ela não vem. Toda vez que um portal anuncia mais um lote acendo uma vela, mando minhas preces para todos os santos, para todos orixás. Prometo comprar cestas básicas, levar uns garotos para tomar sorvete, comprar uniformes de futebol para aquela molecada que joga bola no canteiro da avenida. Todo ano é assim. A restituição sai no último lote e as promessas ficam para o ano seguinte. Sou um boçal, reconheço.

Hoje foi aniversário de um amigo do trabalho. Prometi subir ao seu andar, mas as contas do fechamento não bateram. Deu nove horas da noite e eu preso no escritório, acho que as velas do bolo derreteram sobre o creme. O Aloísio ainda me ligou as seis e meia, disse para eu pegar um pedaço e levar para a patroa. Eu prometi que tomaria um chope com ele, mas não deu. E tenho certeza de que o chefe ainda vai encontrar alguma "inconsistência" no meu relatório. Chefes adoram a palavra inconsistência...

Faltam sete minutos. Desde que mudaram o horário do fechamento da edição fiquei meio perdido. Deixo para a última hora, é certo, mas acho injusto. Tinha me acostumado com a mamata de mandar depois do combinado, mas a coisa está crescendo e fugindo ao meu controle. Não sei mais como controlar o meu mau humor, desculpem.

Ainda bem que não fui apresentado a ninguém hoje. Não é o meu melhor dia. Se alguém dissesse que eu sou simpático a tiraria da minha agenda. Acharia que simpático é sinônimo de alguém legal, mas muito feio. Prefiro que me chamem de feio.

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